O alfaiate Victor Gonçalves receia que daqui a cem anos a sua profissão seja apenas uma memória
O Comando Metropolitano do Porto da PSP e um alfaiate da Baixa da cidade quiseram associar-se ao projecto imaginado por José Carretas e que a associação cultural Panmixia está a pôr em prática. Das mãos do comandante metropolitano Pinto Vieira, a barca irá receber várias folhas de papel. "A estrutura orgânica do comando, uma lista nominal de todas as pessoas que trabalham na PSP do Porto e uma sinopse da estatística criminal do ano de 2011", explica Pinto Vieira ao PÚBLICO. A fechar a oferta está o brasão de armas da PSP e um desejo dito entre sorrisos: "Espero que, quando abrirem a barca, daqui a cem anos, possam dizer: "Já em 2012 o Porto era uma cidade tranquila.""
Se a cápsula "hermética, inviolável, inoxidável, impermeável e não poluente" que vai guardar a oferta da PSP conterá, sobretudo, papéis, a que couber ao alfaiate Victor Gonçalves terá um recheio bem mais diversificado. Lá dentro irão tesouras, linhas e dedais, uma fita métrica, duas escalas, agulhas de coser da extinta Checoslováquia, tecido, giz e um livro técnico. Tudo instrumentos do trabalho que ainda hoje desenvolve, num 1.º andar da Rua das Galerias de Paris.
O alfaiate, de 54 anos, soube do projecto "pelos jornais" e quis que parte da memória do Porto de 2012 fosse também a sua. "Achei a ideia muito interessante e quis participar, porque a minha profissão, daqui por alguns anos, vai ser mesmo uma memória."
Além dos instrumentos de trabalho, Victor Gonçalves vai oferecer uma medalha do encontro anual de alfaiates. E pensou em colocar num CD o conteúdo do blogue que criou e alimenta (blog-dos-alfaiates.blogspot.com), mas ficou-lhe a dúvida: "Daqui a cem anos o CD já deve estar obsoleto, sei lá se ainda há forma de o ler."
É uma boa questão, admite José Carretas, o criador da barca da memória portuense. E, para prevenir, é bom que a Panmixia ou a Câmara do Porto ponham já de lado um leitor de CD que funcione daqui a cem anos, porque dentro da barca, é garantido, vão vários discos compactos. Carretas confessa ao PÚBLICO que espera receber muito mais doações do que aquelas que até agora foram entregues nos seis pontos de recolha - miradouros da Sé e da Vitória, Passeio das Virtudes, Largo d"A Conquistadora (Miragaia) e estação de metro da Trindade, entre as 15h e as 19h -, mas acredita que, "à boa maneira portuguesa", os portuenses vão comparecer em massa até ao final da tarde de sábado. "Temos cerca de 400 objectos, mas a barca tem capacidade para cerca de dois mil", diz.
E o que lá está guardado? Ele desfia o que lhe vão transmitindo dos pontos de recolha. "Muitas cartas e poemas. Alguns CD com registos musicais. Um senhor levou a chave de casa. Outro, seis volumes encadernados por ele com a história da sua vida desde o casamento. Há coisas ali que quer que um neto leia, mas não a família actual. Temos postais, fotografias, dentes de leite, latas de cerveja e de coca-cola. Uma senhora disse que ia levar uma francesinha. Outra levou uma carta aos pais que já morreram. Uma estrangeira levou o Kamasutra. Entregaram-nos um paralelepípedo do Porto. Um senhor de idade levou uma fotomontagem feita por ele, alusiva ao ET, que mostra uma menina no céu, com uma bicicleta. Diz que é uma recordação da primeira vez que foi ao cinema com a neta. Deixaram-nos um euro, uma caderneta de cromos e um cachecol do FC Porto..." A lista continua. "Somos um confessionário sem padre", diz Carretas. Até às 19h de sábado, a barca vai estar aberta para muitas mais memórias.
Se a cápsula "hermética, inviolável, inoxidável, impermeável e não poluente" que vai guardar a oferta da PSP conterá, sobretudo, papéis, a que couber ao alfaiate Victor Gonçalves terá um recheio bem mais diversificado. Lá dentro irão tesouras, linhas e dedais, uma fita métrica, duas escalas, agulhas de coser da extinta Checoslováquia, tecido, giz e um livro técnico. Tudo instrumentos do trabalho que ainda hoje desenvolve, num 1.º andar da Rua das Galerias de Paris.
O alfaiate, de 54 anos, soube do projecto "pelos jornais" e quis que parte da memória do Porto de 2012 fosse também a sua. "Achei a ideia muito interessante e quis participar, porque a minha profissão, daqui por alguns anos, vai ser mesmo uma memória."
Além dos instrumentos de trabalho, Victor Gonçalves vai oferecer uma medalha do encontro anual de alfaiates. E pensou em colocar num CD o conteúdo do blogue que criou e alimenta (blog-dos-alfaiates.blogspot.com), mas ficou-lhe a dúvida: "Daqui a cem anos o CD já deve estar obsoleto, sei lá se ainda há forma de o ler."
É uma boa questão, admite José Carretas, o criador da barca da memória portuense. E, para prevenir, é bom que a Panmixia ou a Câmara do Porto ponham já de lado um leitor de CD que funcione daqui a cem anos, porque dentro da barca, é garantido, vão vários discos compactos. Carretas confessa ao PÚBLICO que espera receber muito mais doações do que aquelas que até agora foram entregues nos seis pontos de recolha - miradouros da Sé e da Vitória, Passeio das Virtudes, Largo d"A Conquistadora (Miragaia) e estação de metro da Trindade, entre as 15h e as 19h -, mas acredita que, "à boa maneira portuguesa", os portuenses vão comparecer em massa até ao final da tarde de sábado. "Temos cerca de 400 objectos, mas a barca tem capacidade para cerca de dois mil", diz.
E o que lá está guardado? Ele desfia o que lhe vão transmitindo dos pontos de recolha. "Muitas cartas e poemas. Alguns CD com registos musicais. Um senhor levou a chave de casa. Outro, seis volumes encadernados por ele com a história da sua vida desde o casamento. Há coisas ali que quer que um neto leia, mas não a família actual. Temos postais, fotografias, dentes de leite, latas de cerveja e de coca-cola. Uma senhora disse que ia levar uma francesinha. Outra levou uma carta aos pais que já morreram. Uma estrangeira levou o Kamasutra. Entregaram-nos um paralelepípedo do Porto. Um senhor de idade levou uma fotomontagem feita por ele, alusiva ao ET, que mostra uma menina no céu, com uma bicicleta. Diz que é uma recordação da primeira vez que foi ao cinema com a neta. Deixaram-nos um euro, uma caderneta de cromos e um cachecol do FC Porto..." A lista continua. "Somos um confessionário sem padre", diz Carretas. Até às 19h de sábado, a barca vai estar aberta para muitas mais memórias.
In Público
Patrícia Carvalho
Adelaide Carneiro
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