quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

HÁ QUANTO TEMPO NÃO VAI A UM ALFAIATE?

Alfaiate, um ofício artístico

           Vamos falar de uma profissão em vias de extinção e que pouco  ou nada fez                                                                             para se adaptar aos novos tempos.

Há quanto tempo não vai a um alfaiate? Pergunta curiosa não acha? De certeza que sim, mas então e qual é a resposta? Nunca fui, já não vou há bastante tempo, largos anos que não meto os pés num… Será esta a maioria das respostas dadas àquela simples questão.
Quando falamos de um alfaiate, a nossa mente remete-nos para alguém com alguma idade a fazer o movimento do giz de sabão a deslizar por um pano, deixando uma linha orientadora para guiar pouco tempo depois uma tesoura fria do pouco uso. Vê-se vários desenhos quase de uma arquitectura têxtil com medidas exactas na fazenda aberta sobre uma mesa que dá início a um processo que só será concluído numa peça de roupa que irá ser vestida por alguém a quem o corpo serve à medida e tanto ao gosto como ao feitio. Não é?

Pois bem, e para alguém seguir esta veia artística é necessário o quê?

Antes de mais, vamos centrar-nos no que é um alfaiate. Trata-se de alguém profissional que executa o ofício da alfaiataria. Arte essa que se baseia na criação e/ou reparação de roupas sob medida, gosto e feitio. Ou seja, há uma personalização e preferência adequada a cada caso. Caso deve ler-se pessoa, em bom rigor. Embora estas sejam estas as principais funções deste profissional, há outras como a de estilista e ainda a de figurinista. Mas para ser mesmo profissional nesta arte o que é preciso mais? Claro, lógico saber costurar, juntar, reforçar bem como fazer bons acabamentos nas diversas roupas criadas. Portanto a boa habilidade com as mãos é imprescindível.
Para dar mais crédito ao exercício da profissão é necessário ter um curso superior. O saber não ocupa lugar e aperfeiçoar aquilo que já se sabe é sempre bom. Ainda para mais pode ser um bom local para fazer o chamado networking. E por algum lado tem de se dar início a isto e nada melhor que o ambiente académico. Aliás, deve-se levar em linha de conta que os alfaiates trabalham quase sempre de forma independente. E com o canudo pode-se mais facilmente ter o rótulo de oficial. Depois e dada a independência da profissão, se calhar é bom ter conhecimentos de contabilidade e gestão empresarial. Aqui a dica vai para os cursos e workshops que de certo vão-se tornar benéficos para futuros contratos dentro da moda, que tem como se sabe um mundo muito próprio. Mas o mais importante de tudo é a habilidade. A prática diária aperfeiçoa o método e o gesto, fulcrais para se ser um bom alfaiate. Até porque não é qualquer um que sabe mexer em bons tecidos. Pois é nos alfaiates que se tem estes materiais e não aqueles, na maior parte dos casos, produtos de qualidade duvidosa.
Perdeu-se o hábito de ir ao alfaiate, porquê? Não foi pela crise. Até porque os preços do profissional desta arte tiveram de descer para fazer frente aos prontos a vestir e centros comerciais, bem como outros locais de venda de roupa a preços mais baixos. Naturalmente que o poder de compra, a necessidade do imediato, a concorrência levaram muitos alfaiates a dar por terminada esta profissão artística que está em queda abrupta na nossa sociedade. Porém, há ainda algumas famílias, as mais abastadas, que mantêm a história de oferecer aos mais novos o primeiro fato feito num alfaiate - tradicionalmente para a primeira comunhão, por exemplo.
Mas sem sombra de dúvida que é um ofício em vias de extinção. Um luxo ao alcance de muito poucos, dirão uns. Uma arte que muitos tentam dominar, dirão outros tantos. E você, há quanto tempo não vai a um alfaiate?

Tiago de Abreu
CULTURAblastingnews - Only Independent News



Quem não gosta de costura?


quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Casa de Repouso dos Alfaiates



Junto à Igreja da Tabaqueira
Está uma casa hospitaleira
Dedicada às pessoas idosas;
Nesta nobre Instituição
Há carinho e proteção
E empregadas atenciosas.


71 anos de existência
Dando apoio e assistência
Às pessoas da terceira idade;
Passados setenta e um anos
Estes corações humanos
Agradecem a vossa amizade.


Como a vida é uma passagem
Durante a nossa viagem
Pedimos a Deus proteção;
Esta gente mais idosa
É honesta e generosa
Com um nobre coração.


Alfaiates e costureiras
Usam nas suas carteiras
O seu cartão profissional;
Mas além das confecções
Receberam outras profissões
Da Segurança Nacional.

Os profissionais da costura
Recordam com amor e ternura
A sua nobre profissão;
Nesta modesta mensagem
Presto a minha homenagem
Aos Alfaiates da Nação.


Em Maio mês de Maria
Festeja-se com alegria
Este dia abençoado;
Parabens aos Fundadores
Empregadas e Diretores
Para todos muito obrigado.
           Manuel Costa
                      Alfaiate 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Quem veste juízes e advogados


Teresa Gonçalves aprendeu corte e costura com o avô

Os juízes portugueses usam beca há mais de 400 anos. Rareiam os alfaiates que ainda vestem magistrados e advogados.



A vida de Amal Alamuddin mudou muito desde que se casou com um tal de George Clooney. Tanto que a advogada de Direitos Humanos passou a ser confrontada com as mais bizarras perguntas. Ao entrar num julgamento em Estrasburgo, um jornalista inglês perguntou-lhe o que ia vestir na audiência. Amal revelou: "Estou a usar Ede & Ravenscroft." A advogada britânica de origem libanesa referia-se à mais antiga alfaiataria de Londres, que desde 1689 se dedica à confeção de fatos cerimoniais, eclesiásticos e judiciais.

As vestes judiciárias têm variações de país para país, mas na Europa Ocidental há muitos pontos em comum entre os vários países. Explica António Nunes, especialista em história da justiça portuguesa, que "as becas dos juízes portugueses têm uma origem comum à que usam os juízes de Espanha, Itália, França, Reino Unido e outros países". Não há certezas absolutas, mas António Nunes acredita que "a origem da beca será uma cidade italiana, mais concretamente Roma, Florença ou Veneza". Mais certa é a data da introdução da beca em Portugal. "Haverá usos anteriores, mas o documento mais antigo que temos é do reinado de D. Felipe I, em que se ordenou que todos os juízes dos tribunais da relação usassem a mesma veste." A imposição do rei que governou toda a Península Ibérica a partir de 1581 ficou até aos dias de hoje. "A beca dos juízes teve modificações ao longo do tempo, mas o modelo é ainda muito próximo do que se usava no século XVI", conta António Nunes.

Quanto à toga dos advogados, em Portugal a sua origem é bem mais recente. "Surge já no século XIX, após as revoluções liberais, quando a profissão ganha independência", explica António Nunes. E se o traje dos juízes tem muito de comum com as vestes eclesiásticas católicas ou com os trajes dos professores nas universidades, a toga dos advogados vai buscar inspiração ao vestir dos pastores luteranos e protestantes. Foi também após as revoluções liberais que o uso da beca se estendeu aos magistrados do Ministério Público.

O método Maguidal

Em Portugal não existe uma casa com idade que se aproxime dos alfaiates ingleses que vestem Amal Clooney, mas ainda se encontram alfaiatarias que sobrevivem por várias gerações.

Teresa Gonçalves está hoje à frente da Academia de Corte Maguidal, na rua da Palma, em Lisboa. A casa foi fundada pelo seu avô, Manuel Guilherme de Almeida, em 1934. Distinguiu-se não só pelos trajes que fazia para padres, professores e magistrados, mas também por ali se ter fundado uma escola que fez nome no meio. "O método de corte que o meu avô criou permitia que facilmente qualquer alfaiate, mesmo os que tinham menos instrução, conseguissem calcular o tecido necessário a partir das medidas da altura e perímetro do peito. Mudou a forma como cortavam o tecido", conta Teresa Gonçalves, de 48 anos. O sistema foi batizado com as iniciais do criador: Maguidal. Referência para gerações de mestres e aprendizes.

Então como agora, a alfaiataria (hoje já não funciona como escola) especializou-se em trajes cerimoniais e profissionais. Juízes e advogados encontram ali vestes feitas à medida. Mas Teresa Gonçalves, que aprendeu corte e costura com o avô e trabalhou depois com o pai, Fernando Louro de Almeida, diz que os tempos estão bem diferentes. "Fazemos cada vez menos becas e togas. As pessoas já não querem trajes feitos à medida, encontram-nos no pronto-a-vestir a preços baixos, apesar da qualidade ser muito menor." No segundo andar da Rua da Palma, um advogado vem buscar a sua nova toga. Mostra-se satisfeito. "A esposa é magistrada e comprou aqui a beca. Funciona muito esta recomendação de pessoa a pessoa", conta Teresa Gonçalves. Na Maguidal, uma beca pode custar entre 400 euros, para uma veste feita em trevira – tecido de algodão e poliéster –, e pode chegar aos 1200 se se usar tecidos mais finos.

Arte em extinção

A muitos quilómetros de Lisboa, um antigo aluno da academia tem porta aberta na freguesia de Nine, Vila Nova de Famalicão. Manuel Campos estudou o método Maguidal em 1976, muito depois de se ter iniciado na atividade, aos 11 anos. As togas e becas são parte importante do negócio, que também já viu melhores dias. "O pessoal anda todo sem dinheiro, já poucos fazem caso de ter uma toga ou uma beca feita à medida", conta o alfaiate de 67 anos. À sua casa vão chegando clientes de todo o Norte do País, mas longe vão os tempos em que fabricava dezenas de ‘fardas’ para os magistrados e advogados. Até porque a qualidade das peças vira-se contra quem as fabrica. "Uma peça destas dura uma vida. Há mesmo uma superstição de nunca trocar de beca ou de toga."

Em Coimbra, a cidade dos doutores, também o pronto--a-vestir ganha terreno. Ricarte Silva, de 74 anos, ainda se dedica, com a mulher, a vestir os magistrados da cidade e de várias partes do País. "Os clientes são cada vez mais raros. Há lojas mais baratas, uma delas até veio à minha montra copiar um dos modelos. Mas não se consegue copiar a qualidade de uma beca ou de uma toga feita à mão, isso é impossível." Uma beca custa a partir de 500 euros, a toga de advogado cerca de metade. As mulheres exigem outros cuidados. Preferem as vestes mais justas, para que se perceba a silhueta, conta Ricarte, que apesar de reformado mantém a porta aberta. "Quando já não puder trabalhar, saio de Coimbra e volto para a aldeia."



Por José Carlos Marques 
Foto Mariline Alves