sábado, 29 de setembro de 2007

A Costureira



Confeccionar roupa requer uma mão especializada e conhecimentos próprios. Para este trabalho existiam no concelho da Guarda alguns alfaiates e costureiras. As fases deste trabalho, iniciavam-se pelo risco do molde da peça a executar no tecido, de seguida, cortavam pelo risco traçado, cosiam as peças, efectuava-se a primeira prova para se fazerem algumas correcções e, depois, era o remate final. Antigamente, os tecidos usados para a confecção das roupas interiores de mulher eram a opalina, linhagem e riscados bonitos. Para as dos homens usavam o riscado de Vizela, popelina, flanela e pano entrançado.
Na confecção de roupas exteriores usava-se, então, no vestuário feminino, a fazenda de merino, chita, crepes, trevira e costeleta. Na roupa masculina, usava-se estambre, saragoça, cotim, caqui, mescla e pana.
As costureiras e alfaiates ocupavam-se somente em fazer peças de vestuário novas. As donas de casa tinham a seu cargo pequenos consertos tais como: colocar joelheiras e cuadas nas calças, lugar onde elas mais se rompiam, remendar os rasgões nas outras roupas, mudar o colarinho das camisas e demais tarefas que, ao soalheiro, iam executando com a cestinha da costura ao lado, enquanto conversavam com as vizinhas.
Para a execução destas peças de roupa as costureiras e os alfaiates serviam-se frequentemente de lã ou algodão.
As costureiras, para além de trabalharem em sua casa, iam também a casa dos fregueses, a costurar alguns trabalhos.
Tempos houve, que nas aldeias onde existisse uma festa, de santo, de casamento ou baptizado era uma azáfama de provas em casa do alfaiate e da costureira.
Ainda não havia o pronto-a-vestir.
Cada cliente tinha o seu atendimento personalizado, único em tamanho e modelos exclusivos.

In eb23-sta-clara-guarda.rcts.pt

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Através dos tempos

Os alfaiates, responsáveis pela confecção da indumentária, eram mestres especializados e tidos em grande consideração. A necessária habilidade exigida a estes oficiais sujeitava-os a um rigoroso exame, sem o qual não lhes seria passada a carteira profissional. Teriam que saber talhar, cortar e executar qualquer peça. Desde talhar veludo cinzelado a duas alturas ao veludo lavrado à navalha, no mais simples dos bordados da espécie. Os cetins constituíam outro dos tecidos com que teriam que saber trabalhar, tal como respeitar as regulamentações em uso para o corte da seda. Saber costurar a consistência dos forros e chumaços, não usar fios de má qualidade, etc. Ainda a estes oficiais era exigido que soubessem as quantidades de pano necessárias a cada peça (1)

Os alfaiates, em geral, executavam pelotes de qualquer feitio, capas de capelo, gibões enchumaçados a dois forros e golpeados, capas e mantos. Para as senhoras, talhavam e cortavam tecidos de qualquer feição. As fraldilhas costuravam-se com vantagem na traseira, os saios e sainhos a dois debruns com mangas e as cotas de forma prática, para andar a cavalo. Aos alfaiates era proibido tingir os tecidos cinzentos ou brancos com tintas azuis e pretas. Não se podiam vender ou voltar a costurar peças de vestuário velho, ou coser, cortar, bordar ou vincar qualquer tecido antes de ser vendido. Qualquer uma destas opções poderia ser sugerida pelo alfaiate, mas a indicação final do cliente solucionava a versão final. Na segunda metade do século XVI, um alfaiate ganhava o salário de vinte e cinco reais por dia, com a obrigação de confeccionar, por exemplo, sete gibões em quatro dias.

Para além dos alfaiates que executavam qualquer peça de vestuário em geral, existiam os oficiais especializados. A designação que os definia ligava-se à indumentária da especialidade. Surgem-nos, assim, os jubeteiros, ligados à confecção de gibões, os calceteiros para a confecção de calças e calções e os sombrereiros ligados ao fabrico de chapéus.

Os jubeteiros talhavam os gibões e costuravam-nos com dois forros enchumaçados podendo usar para o efeito algodão e nunca lã velha. Os gibões não podiam ser vendidos em panos manchados, marcados ou picados.

Os calceteiros deveriam saber cortar qualquer par de calças ou calções com talhe justo. As calças imperiais, confeccionadas com muito pano, deveriam respeitar as limitações do seu uso, sob pena de multa. Para o povo, não podiam executar calças largas ou sequer com forros. As braguilhas das calças e calções eram forradas a algodão ou pano bom, sem ser o da Índia.

Os sombrereiros, responsáveis pelo fabrico de chapéus, faziam um sombreiro de qualquer lã, fino ou grosseiro, preto, cinzento ou branco.

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(1) "Regimento dos Alfaiates, jubeteiros, calceteiros e aljabebes" in Livro dos Regimentos dos oficiais mecânicos da mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa (1572), pref. Dr Vergílio Correia, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1926, pp.242-245.

In trajes.no.sapo.pt

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Capela dos Alfaiates



São Bom Homem e Nossa Senhora de Agosto foram os padroeiros e protectores da Confraria dos Alfaiates e a imagem da primeira era, no início do século XVI, venerada no primeiro andar de uma casa junto à Sé cujo piso térreo servia de celeiro do Cabido. Em 1554, porém, iniciou-se a construção de uma nova capela frente à fachada principal da Sé, em edifício cedido à Confraria pelo bispo D. Rodrigo Pinheiro. Onze anos depois, em 1565, só às paredes tinham sido levantadas e, com o empenho do prelado, o mestre pedreiro Manuel Luís contratou com a Irmandade a conclusão do templo.

A capela, de planta rectangular, abre para o exterior por um portal ladeado por duas colunas coríntias caneladas asssentes em pedestrais, e rematado por um nicho com decoração flamenga, desenhado por Manuel Luís, em que se abriga uma imagem de barro de Nossa Senhora de Agosto. No interior do templo, iluminado pelo grande janelão rasgado na fachada, a abóbada elevada sobre o espaço quadrado da nave é de cruzaria tardo-gótica, mas mostra já motivos ornamentais maneiristas. Um arco cruzeiro de volta-redonda, assente em pilastras jónicas, separa a nave da capela-mor, e esta é coberta por uma pequena abóbada de canhão, com dois tramos formados por caixotões de granito que arrancam de mísulas clássicas. Este conjunto, projectado e executado por Manuel Luís, é da maior importância na arquitectura do Norte do País, pois marca a transição do tardo-gótico para as novas formulações maneiristas de inspiração flamenga.

O retábulo da capela-mor, também maneirista, divide-se em oito painéis que representam cenas da vida da Virgem e, iconograficamente, respeitam as prescrições do Concílio de Trento divulgadas em Portugal, sobretudo a partir de 1580, através das Constituições Sinodais. As pinturas são atribuídas, entre outros, a Francisco Correia, tendo sido executadas provavelmente entre 1590 e 1600. Ao centro, a bela imagem calcária de Nossa Senhora de Agosto, mais antiga, mostra influências da imaginária norte-europeia. A imagem em madeira de S. Bom Homem (século XVII), padroeiro dos Alfaiates, está colocada à direita do Altar-Mor.

A capela teve, em 1853, obras de beneficiação promovidas pela Associação dos Alfaiates e, em 1935, devido às obras de demolição programadas para a abertura do terreiro da Sé, foi expropriada pela Câmara. Em 1953 foi reedificada na sua actual implantação e pela mesma época foram restaurados os painéis pelo pintor Abel de Moura. É Monumento Nacional desde 1927.

Ângulo das Ruas do Sol e S. Luís
Porto

Câmara Municipal do Porto

Alfaiates resistem à moda do pronto-a-vestir



Quatro a cinco mestres de alfaiataria, dois em actividade regular, tentam resistir, em Viseu, à crise ditada pela moda do pronto-a-vestir. Uma moda que ganhou novo fôlego a partir da década de 70 e que, aos poucos, vai obrigando muitos a fechar as portas por falta de clientela. O encontro de convívio que hoje se realiza na cidade, com a presença de algumas dezenas de profissionais do sector, pretende alertar para a necessidade de incentivar os jovens a abraçarem uma profissão em risco de extinção.

"O Governo tem de aproveitar os artistas ainda no activo para incutir nos jovens o gosto por esta actividade. Uma tarefa que terá de passar pela atribuição de incentivos financeiros que viabilizem a planificação de acções de formação", sugere Avelino Ferreira, um dos alfaiates da cidade, que promete resistir enquanto as forças não o abandonarem.

Natural de Vale de Cambra, no distrito de Aveiro, Avelino Ferreira, 63 anos, passou quase toda a sua vida, entre Portugal e Luanda (Angola), a confeccionar fatos por medida. Alturas houve, em anos recuados, que chegou a produzir dez por mês. "Agora se fizer 20 por ano já é uma boa média", diz com tristeza.

300 euros por fato

Apesar da crise que afecta o sector, Avelino Ferreira consegue ver uma luz ao "fundo do túnel". "Tenho um filho, licenciado em Gestão de Empresas, que decidiu pôr o canudo de lado e abraçar esta belíssima profissão. Está em Londres a fazer formação", partilha com visível orgulho.

A exemplo de outros colegas, Avelino Ferreira acredita que os alfaiates ainda têm futuro. "Os fatos feitos à medida terão sempre mercado", garante o empresário, que elenca três segmentos de clientes fiéis as pessoas que exigem qualidade no talho, na confecção, nos tecidos e acessórios; os que têm dificuldade em encontrar no pronto a vestir fatos que lhes fiquem bem; e os portadores de alguma deficiência.

Um fato feito à medida podia custar, há algumas décadas, 300 escudos. "Hoje aquele dinheiro daria para comprar um botão. Um fato razoável não custa menos de 300 euros. E se o tecido for de muita qualidade pode ir aos mil euros e mais", declara Avelino Ferreira.


Teresa Cardoso

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Alfaiataria em Portugal

Em tão breves referências seria um dislate pretender fazer a história da Alfaiataria em Portugal. Estamos perante uma profissão que se confunde com a história do próprio país. Perante este enorme desafio, limitamo-nos a fazer um percurso por alguns dos momentos que julgamos mais significativos de uma história de oito séculos.
O nome como é sabido, varia de língua para língua, reflectindo persistências locais nesta arte. Conhecidos em França por “Tailleur”, em Itália por “Sarto”, em Espanha por “Sastre” (do latim Sartor, Sarcire, coser), em Portugal revelam a sua ligação ao mundo árabe, ao adoptarem um nome derivado da palavra árabe Al-Kaiat ou Al--Kaiiat, do verbo Khata que significa coser. Independentemente da designação, os alfaiates tinham desde a antiguidade clássica o exclusivo do corte e costura das diversas peças de roupa, tanto masculinas, como femininas. Privilégio que manterão até ao século XVII.
A mais antiga referência conhecida entre nós sobre este ofício data do século XII, quando Portugal se tornou um Estado independente. O nome curiosamente está ainda associado à localidade de “Alfaiates”, na Beira Baixa, onde se desenvolveu uma forma de organização administrativa que o historiador José Mattoso, afirma estar na base do nosso municipalismo medieval. Poucas actividades podem também orgulhar-se de poderem apontar já em 1256, um nome concreto de alguém que exercia um ofício mecânico, trata-se neste caso de “Petrus Petri Alfayate” que residia em Portel.
Nas escolas qualquer aluno já se confrontou com história de um alfaiate, embora nem sempre o saiba identificar como tal. Trata-se de Fernan Vasquez, aquele que o cronista Fernão Lopes, afirma ter estado à frente de 3.000 mesteirais de todos os ofícios, besteiros e homens de pé, em 1371, num protesto junto de D. Fernando contra o seu casamento com Leonor de Teles. O acto custou-lhe a vida, mas a história mostrou a visão da sua atitude.
Outro dos acontecimentos marcantes foi a intervenção dos seus representantes na Casa do Vinte e Quatro, em Lisboa, desde a fundação, em 1384 até ao seu encerramento no século XIX. Descrevê-la ainda que sumariamente requeria várias páginas. Mas tal não é possível. Fica pois a referência ao facto. Nesta cidade, temos contudo que assinalar a sua padroeira, Nossa Senhora das Candeias e a capela privativa que possuíam na Igreja de S. Julião. No século XV constituíram um hospital próprio, que veio depois a ser integrado, em 1501, no célebre Hospital de Todos-os-Santos. No Porto, para só citarmos esta cidade, os alfaiates surgem organizados em torno da Confraria de Nossa Senhora de Agosto ou da Assunção e de S. Bom Homem de Verona, em frente da Sé, pelo menos desde 1554.
Em tempos de abertura de Portugal ao mundo, vários são os alfaiates de renome que por cá trabalharam, como o mestre Latam, alfaiate de D. Afonso V, ou Abraão Abet que serviu D. João II.
A grande afirmação pública dos alfaiates, à semelhança de outras profissões, mediu-se durante séculos pela sua sua participação na conhecida procissão do “Corpus Christi”. Mais uma vez, qualquer referência histórica torna-se insignificante quanto falamos dos alfaiates. Queira pois o leitor ler o quadro iningualável que deles fez o historiador-romancista Alexandre Herculano na sua obra O Bobo.
Neste época brilhante da nossa literatura, tem-se avolumado as provas de que Gil Vicente, mestre de ourivesaria e da dramaturgia, terá sido também iniciado na arte da alfaiataria. As suas obras revelam conhecimentos que ultrapassam em muito o contacto superficial com uma arte então cheia de segredos técnicos.
Em pleno século XVI, a afirmação desta arte acompanhou naturalmente o luxo e a personalização do vestuário por toda a Europa. Fenómeno que se traduziu na especialização de certas actividades especializadas, como os jubeteiros ou algibebes, calceteiros, camiseiros e outros. Mas igualmente por uma regulamentação que desde a aprendizagem do ofício à fiscalização das oficinas, procurava garantir a qualidade do vestuário, assim como proteger os compradores (Livro de Registos dos Ofícios Mecânicos, compilado em 1562, por Duarte Nunes Leão para a Câmara de Lisboa, e confirmado em 1752).
Observando iluminuras desde o século XIV, nas quais aparecem representadas lojas-oficinas de alfaiates, o que desde logo ressalta é a simplicidade dos instrumentos de trabalho: tesouras, réguas, compassos e pouco mais. Esta aparente simplicidade esconde alguns requisitos que os alfaiates tinham que possuir: conhecimentos de geometria, aritmética e das proporções do corpo humano. Daí o longuíssimo período de aprendizagem necessário para o exercício da arte. Os grandes avanços técnicos, nomeadamente nas técnicas de corte, começam por volta de 1550, quando Moroni pinta “ O Alfaiate” (1550), e tem o seu apogeu aquando da publicação, em Madrid, do primeiro livro sobre as técnicas de alfaiataria, o “Livro de Geometria y Traça”, de Juan de Alcega (1589). A extraordinária variedade das formas de vestuário, impoêm um desenvolvimento técnico incomparável.
Como o país, o século XVII é marcado pelos conflitos. No princípio do século, só em Lisboa, contavam-se 119 lojas de algibebes, vendendo roupa já feita. A oposição dos alfaiates a estas vendas, leva a que em em Lisboa, no ano de 1678, estas lojas tenham sido encerradas, mas não tardam a reabrir. O conflito, sob formas diversas vai-se arrasta-se durante séculos até ao predomínio do pronto-a-vestir, e à transformação do vestuário por medida numa arte para grupos específicos de clientes.
Em França, em 1675, ocorre um acontecimento decisivo para a evolução futura da profissão. As modistas ( do francês Modiste, derivado de Mode), a quem já tinha sido concedido o privilégio de fabricarem a roupa interior feminina, obtém o direito de produzirem todo o tipo de vestuário feminino e de terem um corporação própria. Este exemplo acaba por se difundir por toda a Europa, pondo fim ao secular exclusivo dos homens na produção do vestuário.
O século XVIII costuma ser apresentado como a época de ouro da alfaiataria. Muitos dos símbolos do poder passavam então por um vestuário de aparato, e este dependia em grande medida da arte e da técnica de cada mestres alfaiates.
Sob o impulso da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, caminhou-se inexoravelmente para a liberdade no exercício do trabalho. Apenas em 1817, os alfaiates, entre nós, conseguem que lhes seja permitido adquirirem os tecidos para o exercício do seu ofício. Quatro anos depois da extinção das corporações, Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1838, publica um dos primeiros estudos para a criação de novas organizações profissionais, intitulado “Projecto de Associação para o Socorro de Capitalistas, Mestres e Aprendizes do Ofício de Alfaiate”. Passados alguns anos anos, em 1853, é constituída na cidade do Porto, a Associação dos Alfaiates desta cidade e a primeira a abandonar os princípios corporativos que remontavam à Idade Média. Em Setembro deste ano, é criada em Lisboa, a Associação dos Alfaiates Lisbonenses. Estavam encontradas as novas organizações profissionais juntando mestres e aprendizes, proprietários e trabalhadores.
Apesar das características inter-classicistas destas associações e das tradicionais tendências individualistas dos seus membros, tal não impediu a participação dos alfaiates nos acontecimentos e nas organizações mais importantes do movimento operário do século XIX, como o Congresso Social de Lisboa em 1865, na Secção Portuguesa da Associação Internacional do Trabalhadores, onde pontificava de Antero de Quental, ou na Fraternidade Operário de José Fontana. No final do século, como já havia acontecido em toda a Europa, estas associações dividiram-se em função do estatuto dos seus membros, tendo surgido então, por exemplo, a Associação Fraternal de Classes dos Alfaiates de Lisboa(1891), mais tarde denominada Associação Fraternal dos Operários Alfaiates (1906) e a Associação de Classe dos Oficiais de Alfaiates e Costureiras (1896).
Antes de prosseguirmos neste século repleto de acontecimentos, temos que referir dois importantes avanços técnicos. As tabelas de medida e o aparecimento das empresas de confecção, em consequência da invenção da máquina de costura.
Procurando um conhecimento mais exacto das medidas básicas do corpo humano, os alfaiates lançaram as bases da antropometria. Deve-se ao célebre alfaiate francês H. Guglielmo Compaign o estabelecimento das primeiras tabelas de medida e o princípio do escalado. A sua obra “A Arte da Alfaiataria”(1830) revolucionou as técnicas de corte em toda a Europa.
O aparecimento das primeiras empresas confecção não teve grandes reflexos em Portugal. Produzia-se um vestuário de muito má qualidade com tecidos ordinários. As máquinas de costura acabaram por lentamente por serem absorvidas pela próprias alfaiatarias, embora de forma muito controlada. A tradição continuou a ser o trabalho manual.
Na capital, Jacinto Nunes Correia funda a Casa que ainda hoje existe com o seu nome. Um caso revela só por si, o cuidado posto Nunes Correia no aperfeiçoamento da sua arte. A fim de melhor poder conhecer as proporções e características do corpo humano, frequenta no Colégio da Luz, aulas de anatomia da Escola Médica de Lisboa. Também todos os anos fazia uma viagem a Paris e Londres para actualizar os seus conhecimentos. No final do século, a Casa Nunes Correia, já sob a direcção do seu afilhado e continuador, Jacinto Augusto Marques, reunia a melhor clientela de Lisboa, incluindo a Rainha D. Amélia e os jovens principes. A participação e os prémios obtidos traduzem a projecção que esta Casa possuiu, tendo estado com grande êxito na Exposição Industrial de Lisboa (1866), e na Exposição Universal de Paris de 1900.
Na viragem do século XIX para o Século XX, a alfaiataria em Portugal conhece o seu período aureo. Alguns dos seus mestres adquirem renome internacional, para além do já citado Jacinto Augusto Marques, sobressaem mestres como o mestre Strauss, irmão do célebre compositor vienense, o mestre Keil, pai de Alfredo Keil autor da música do nosso hino, o mestre Manuel Amieiro, fundador da casa Amieiro e Adelino Teixeira, cujo nome se ligará à fase mais brilhante desta casa. A esta lista temos que acrescentar, por direito próprio, a Casa Neves & Osório, Casa José António Xafredo, Casa Ferrão, o Alfaiate Viana e para só citarmos as alfaiatarias de grande prestígio de Lisboa.
Durante a primeira República, reflectindo este pujante movimento, entre 1911 e 1917, na antiga Associação dos Operários Alfaiates de Lisboa, Virgílio Augusto da Silva Paulet Maia, inicia entre nós os primeiros cursos de corte. A aprendizagem começa a estruturar-se fora das oficinas de forma mais sistemática e de acordo com as exigências dos novos tempos. Mas as duras condições de vida dos trabalhadores do sector, acabam por conduzir a uma intensa agitação laboral entre 1919 e 1923. A crise do pós-guerra só em meados dos anos vinte foi ultrapassada.
Nos anos trinta, a alfaiataria parece conhecer um novo impulso. O momento simbólico da viragem, coincide com a estreia do filme “A Canção de Lisboa” (1933), onde a personagem principal é um alfaiate, interpretado pelo saudoso actor António Silva. Na sequência da publicação do Estatuto do Trabalho Nacional (1934), constituem-se os sindicatos nacionais de profissionais de alfaiataria e costura, para além de dois importantes grémios.
Em 1934, funda-se a Academia de Corte Maguidal, por Manuel Guilherme de Almeida e António Mendes Baptista, trata-se da primeira escola para alfaiates em Portugal. Tinha cursos de corte na sede, mas também os ministrava por correspondência, como então estava em voga. Cinco anos depois, a Academia inicia a publicação da revista “Vestir” (setembro de 1939) que para além de desenvolver um trabalho brilhante na divulgação de temas e informação dos profissionais do sector, registará uma longevidade digna de nota. Nesta década duas iniciativas devem ainda ser assinaladas. A fundação em 1935, no Porto, da “Cooperativa dos Industriais de Alfaiataria”, e em 1939 da “Academia Nacional de Corte” em Lisboa. Esta última não tarda a editar outra importante publicação, a revista “Técnicas de Alfaiataria”, sob a direcção de António Mendes Baptista.
Durante a segunda guerra mundial (1939-45), sobretudo na região de Lisboa, a alfaiataria sofre um certo incremento, devido sobretudo às encomendas dos numerosos exilados ou mesmo de refugiados em trânsito. Mas foi sol de pouca dura. Ainda durante a Guerra surge uma das iniciativas mais importantes de apoio mútuo da classe, a Casa de Repouso dos Alfaiates de Portugal, que pouco depois será uma realidade, devido aos esforços de homens, como o mestre Francisco A. Rosas..
Apesar da relativa prosperidade de muitas casas de alfaiataria, os ventos que sopravam de além fronteiras pronunciavam uma crise profunda nesta arte milenar. Muito poucos se deram conta do que se estava efectivamente a passar. Nos países mais industrializados, a penúria de mão de obra qualificada agravou-se como nunca. O desenvolvimento das técnicas de produção em série de vestuário, seguindo modelos e métodos oriundos dos Estados Unidos, surgem para muitos industriais como a única saída para suprir as carências de vária ordem. A industria de pronto-a-vestir desenvolve-se naturalmente neste contexto, melhorando igualmente a sua qualidade. O vestuário por medida perde a dimensão de uma arte para a maioria da população, para se circunscrever a uma clientela cada vez mais seleccionada, exigindo uma nova relação alfaiate-cliente.
Os alfaiates em Portugal começam lentamente a dar conta nas suas publicações das dificuldades que sentem para acompanhar as novas exigências do tempo. Um ponto era consensual: estavam há muito fechados sobre si próprios, sendo os contactos com o exterior muito reduzidos.
Como era previsível na década anterior, os anos sessenta são marcados por profundas transformações neste sector. A par do aumento da melhoria sensível do nível de vida da população, nos grandes centros urbanos, assistiu-se à difusão do pronto-a-vestir. Os gostos orientam-se agora para os produtos em série, o consumo de massas. Os congressos mundiais de mestres alfaiates discutem há muito a situação, mas os portugueses continuam ausentes destes debates.
Aparentemente a tradição da alfaiataria em Portugal estava ainda bastante consolidada nos hábitos de vestir da população. A sua expressão no país não tem paralelo em outros países europeus. Em 1964, por exemplo, existiam ainda em actividade cerca de 6.500 alfaiatarias. Destas perto de 3.000 possuiam apenas mestres-alfaiates, sem outros oficiais ajudantes. Uma grande parte da população masculina continuava ainda a recorrer aos alfaiates: 45% para fazer fatos; A percentagem dos que encomendavam abafos, sobretudos, ou gabardines, descia para 15% no Norte e 20% no Sul. Quanto aos fatos tipo “sport” a percentagem era muito elevada, oscilando entre os 20 e os 25%. Era todavia, um dado adquirido como se escrevia na revista Vestir, que a tendência era para a rápida diminuição destes valores, devido à concorrência do pronto-a-vestir. Os seus preços eram mais baratos, e sobretudo haviam melhorado bastante os modelos, os cortes e a qualidade dos tecidos.
Num esforço de actualização, surgem algumas iniciativas desgarradas, como a organização da “Grande Noite da Alfaiataria e Alta Costura, no Casino do Estoril (1962) e o “Festival Cerruti” para a moda masculina na FIL (1967).
Como o país, os alfaiates portugueses começam a abrirem-se lentamente em relação ao exterior. Apenas em 1970 participam pela primeira vez num congresso mundial de mestres alfaiates, o XIV que decorreu em Madrid, através de uma delegação presidida pelo mestre Armindo Bártolo.
A partir de 1974 todas as fragilidades desta actividade evidenciam-se. A simples instituição do salário mínimo conduz ao encerramento de muitas alfaiatarias. Mas o principal problema decorria da inexorável expansão do pronto-a-vestir. As industrias de confecção conhecem então um enorme crescimento, tornando-se num dos sectores fundamentais da nossa economia. Não é pois de estranhar que os sindicatos e os grémios dos alfaiates se tenham integrado nos grandes sindicatos e associações da industria textil e da industria de confecção.
Nos anos oitenta quando os alfaiates procuram reforçar os seus laços de solidariedade através de “festas de convívio”, acabam por redescobrir o que havia de especifico na sua arte. As comemorações do “Dia do Alfaiate” no final da década são neste capítulo, um sinal que algo parecia estar a mudar. Cálculos optimistas então realizados apontavam para a existência em todo o país de apenas 800 alfaiatarias. O seu maior problema continuava a ser o da falta de continuadores nas oficinas, o que contribuiu para o seu encerramento. As razões para este facto prendiam-se primeiro que nada, como poucos queriam reconhecer, com uma imagem pouco atractiva que alfaitaria foi adquirindo junto das camadas mais jovens. A agravar este quadro juntava-se um longo período de aprendizagem, e a ausência de um estrutura organizada de formação profissional.
Esta situação acabou por prolongar uma crise generalizada nesta actividade. Os poucos alfaiates qualificados, por serem raros, encontram sempre empregos sem dificuldade, mas os jovens afastam-se preferindo actividades ligadas ao pronto-a -vestir, onde são menos livres, possuem eventualmente menos possibilidades de expressão da sua criatividade, mas também auferem, em geral, melhores salários.
A resposta aos desafios que hoje atravessa esta profissão, se passa pela formação profissional, não pode ser desligada de uma adequada promoção que restitua antes de mais nada o seu prestígio, de forma a ser assumida como uma arte entre outras artes.


Carlos Fontes