domingo, 30 de dezembro de 2007




Ser alfaiate é hoje uma profissão em vias de extinção. Se pegar numa lista telefónica vai constatar, com facilidade, que na cidade do Porto existem apenas meia dúzia, a maioria rondando os 60 anos. Já não há "seguidores" desta actividade, o que entristece António Saldanha, um dos poucos que ainda hoje se mantém activo na baixa do Porto

Os 67 anos de António Saldanha não são visíveis no rosto e postura, do homem que desde os 16 anos é alfaiate, um dos poucos ainda existentes na cidade do Porto. Enquanto fala mantém o sorriso aberto, revelando muita da paixão que sente por aquilo que faz. Não se imagina a reformar-se e ainda hoje faz todas as suas peças de roupa, com excepção de pullovers e camisas. Aprendeu "a sua arte" muito novo, quase criança, tinha onze anos. Foi ao longo de cinco anos que conheceu "todos os segredos" da actividade de alfaiate. A dedicação, o empenho e também o talento valeram-lhe uma fiel clientela que, passados tantos anos, ainda vem encomendar fatos ou simplesmente umas calças ou um casaco. Enquanto conversamos com ele, fomos interrompidos duas vezes, para uma prova e para o registo de uma encomenda de um novo fato. António Saldanha admitiu que o volume de trabalho tem vindo a diminuir, mas que "se consegue viver". Porém, a época de crise deixa as suas marcas.António Saldanha é natural de Freixo de Espada a Cinta onde aprendeu muito novo a profissão de alfaiate, mas foi em Torre de Moncorvo que se especializou. Depois da tropa, em 1965, veio para o Porto trabalhar, primeiro para o "Mário Alfaiate" e posteriormente para a "Casa David" onde rapidamente mostrou as suas potencialidades. O seu profissionalismo e valor foram rapidamente reconhecidos e valeram-lhe a oportunidade de tirar dois cursos de aperfeiçoamento na área técnica para fábricas, confecções e alfaiataria, ou seja, no âmbito da modelagem. Foi o melhor aluno, passando depois a ocupar a parte técnica da alfaiataria onde trabalhava na altura. Sempre quis ter o seu próprio negócio, por isso não ficou de braços cruzados e aproveitou as oportunidades que lhe foram surgindo. Em visita a uma Feira Internacional de Moda, em França, e devido a vários contactos feitos, surgiu a oportunidade de ingressar numa grande empresa de confecções. A hipótese de imigrar pareceu-lhe tentadora, mas ao fim de um ano, com a mulher e filhos em Portugal, e tendo muitas dificuldades para se legalizar, decidiu regressar. Adquiriu uma alfaiataria na rua de Santa Catarina e rapidamente os clientes foram surgindo e aumentando. "Cheguei a ter oito pessoas a trabalhar comigo", refere António Saldanha. Hoje o número de empregados é menor, na medida em que o volume de trabalho também diminuiu, porém salienta que actualmente é complicado arranjar pessoas especializadas nesta área. "É uma das razões para as alfaiatarias tenham os dias contados", diz. A título de exemplo, salienta que se puser um anúncio a pedir aprendizes ou estagiários de alfaiate ninguém responde, o que o entristece. Mas acima de tudo sustenta que, comparativamente aos outros colegas de profissão, é um optimista, pois a sua intuição diz-lhe quê "as coisas vão mudar", e até dá uma sugestão. A ANIVEC poderia dar apoios (suportando os custos do ensino e material gasto) para que os antigos alfaiates da cidade tivessem jovens estagiários a aprender o ofício.

Os seus clientes são os mesmos de sempre. É certo que alguns já morreram ao longo destes 30 anos em que trabalha por conta própria, porém entretanto começaram a vir os filhos e alguns amigos que continuam a encomendar peças de vestuário, embora em menor número. Normalmente vêm ao alfaiate fazer um fato completo, sobretudo ou simplesmente umas calças ou casaco. A justificação para vir ao alfaiate são sempre as mesmas: "fica melhor", "assenta na perfeição", "as peças não ficam deformadas com o uso". Há também algumas mulheres que aparecem, nomeadamente para fazerem o fato completo, ou seja, saia/casaco ou calça/casaco, mas são em número quase residual. Os meses entre Maio e Setembro, altura em que se realizam muitos casamentos, são os períodos em que o fluxo de encomendas aumenta exponencialmente. Se lhe perguntarem qual é a peça que mais gosta de fazer, responde que não tem preferência. É capaz de fazer uma toga, um fraque ou uma casaca do princípio ao fim. Mas usualmente na sua alfaiataria cada trabalhador tem uma função e uma área em que se distingue por aquilo que melhor faz. Actualmente tem três costureiras e é o próprio António Saldanha que tira as medidas, faz o corte das peças e realiza as provas, sendo o restante trabalho feito por elas. Apesar de ter uma ficha actualizada dos clientes, faz sempre duas provas das peças, pois pode haver algum pormenor que queiram alterar. E é fruto da conversa que tem durante essa tarefa que se vai apercebendo de aspectos que podem ser modificados. Na sua opinião, um bom alfaiate é aquele que gosta do que faz e isso revela-se no seu trabalho, nos pormenores. O saber fazer uma prova e marcar bem todos os elementos, desde a localização dos botões e o tamanho da manga é para si "meio caminho andado para executar bem a peça". Considera igualmente que factores como a dedicação e o empenho são igualmente fundamentais para exercer a actividade com o sucesso. Ser-se alfaiate requer amor e dedicação. "Não se pode estar na profissão simplesmente para cumprir horários". E a comprová-lo ainda hoje tem casa aberta e trabalha fora de horas se assim for necessário. Já diz o ditado - salienta -"quem corre por gosto não cansa".
Texto: Carla Nogueira
Fotos: Virgínia Ferreira
In Viva Outubro 2007

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