Mestres de alfaiataria, portadores de um “saber-fazer” que lhes confere a capacidade de transformar tecido em fatos únicos e ajustados a cada cliente. Tendencialmente, são homens com um percurso profissional longo, a maioria começou a trabalhar aos 10/11 anos, pelo que facilmente se depreende que se dedicam ao mester há mais de meia centena de anos. Evidenciam destreza no pensamento e firmeza na mão, a mão que manuseia a tesoura, o giz ou a “chonga” (tábua própria para dar forma aos casacos). Falar com estes mestres é em certa medida viajar no tempo, talvez seja mais fácil de entender se olharmos para o alfaiate como uma profissão, ou “arte” conforme assumiram unanimemente, que tem atravessado séculos. Logo, impôs-se recuarmos ao tempo das Corporações dos Ofícios Mecânicos e à instituição política e profissional que representava as várias corporações de artífices, a “Casa dos Vinte e Quatro”. Este organismo, instituído pelo Mestre de Aviz, deve o nome aos vinte e quatro homens, dois de cada ofício, com assento na Câmara. E se os “ofícios” foram mudando ao longo dos séculos, adaptando-se e ajustando-se às necessidades de uma cidade que se foi transformando. A incorporação dos Alfaiates, enquanto ofício “à cabeça da corporação”, aconteceu já na primeira metade do século XVII, embora tenha sido na segunda metade do século seguinte (1767) que a “classe” tenha renovado o protagonismo, visto que foi eleito para presidente um alfaiate - Filipe Rodrigues de Campos. No entanto foi com a reforma de 1771 que esta corporação deu provas de flexibilidade, ao ter integrado os algibebes (vendedores de fatos feitos), calceteiros (faziam calças), carapuceiros e bainheiros (faziam bainhas), estes últimos já numa reforma posterior, como ofícios “anexos”. Corporação venturosa, acalentada por dois santos: São Julião, rua onde foram “acommodados” por ordem do Conde de Oeiras, e Nossa Senhora das Candeias - padroeira do mester.
Os actuais 5 alfaiates, 3 alfaiatarias e 2 camisarias existentes sobrevivem, mais do que ao encerramento de muitas alfaiatarias, sobretudo depois de 1974, a uma mudança de costumes que se expressa no pronto-a-vestir. Mas à medida que a conversa vai correndo percebe-se que estes profissionais acabam por atribuir algumas características de ritualidade ao gesto de mandar fazer um fato.
A classe apesar de assentir que a profissão está longe do fulgor do passado, conseguiu fidelizar gerações e com alguma regularidade vão a feiras da especialidade, donde trazem novos aportes por forma a implementar um novo vigor ao sector, correspondendo assim às novas exigências do século XXI. Hoje, o cliente tanto pode chegar da esquina mais próxima, como de além fronteiras, onde o aumento de clientes angolanos e de S. Tomé e Príncipe tem vindo a ganhar expressão, conforme referiram alguns. Mas estes profissionais de trato polido estão aptos a atender desde o político, o embaixador, o gestor, o banqueiro ou o juiz, sendo que por norma o cliente tipo é de uma faixa etária mais madura e de uma classe social média-alta a alta. Em menor escala alguns jovens, geralmente os filhos dessa geração. Aliás, estes profissionais declararam que a renovação geracional tem vindo a ser benéfica e a constituir-se como um desafio, uma vez que estes clientes, igualmente exigentes na qualidade e no rigor, são tendencialmente adeptos de um modo de vestir mais informal, pelo que têm “obrigado” alguns alfaiates/alfaiatarias a inovar e a (re)inventar. No entanto, e por outro lado, estes artífices não deixam de reconhecer que a linha clássica continua a ser uma constante, imprimindo assim intemporalidade à profissão, também no que concerne aos instrumentos e ferramentas não há grandes alterações a registar. Apontaram apenas o ferro que deixou de ser a carvão, para ser eléctrico e mais recentemente de caldeira a vapor. Tal como subscreveram as palavras de João Ribeiro, da Loureiro & Nogueira, quando apontou a “aptidão, paciência e habilidade, e acima de tudo, ter gosto por aquilo que se faz” como os principais requisitos à profissão.
Um parêntesis para recordar o ano de 1934, ano em que abriu a 1ª Escola de Alfaiates em Portugal, denominada Maguidal - método e técnica, que ficou baptizado pelas iniciais do nome do seu criador, o alfaiate Manuel Guilherme de Almeida. Muitos foram os que se fizeram alfaiates com os ensinamentos desta Academia de corte, não obstante outros terem ido mais longe fazer a sua especialização, nomeadamente a Inglaterra, a qual a par com Itália, continua a ocupar lugar de cimeira no que tange ao aprovisionamento da matéria-prima, em particular as fazendas.
Quanto às instalações, por norma em andar, são espaços tri-partidos constituídos pela sala de atendimento, o gabinete de provas e a oficina, onde, de um modo geral, o requinte casa com a sobriedade, num estilo clássico datado de meados do séc. XX. A terminar, assinala-se o sentimento manifestado pela classe: “há mais falta de continuadores, ou seja, de aprendizes interessados no ofício, do que de clientes”!
Judite Lourenço Reis e Guilherme Pereira com a colaboração de André Guerreiro, Deolinda Lourenço, Luisa Siborro, Manuela Paias e Vítor Silvestre (ISCTE-IUL)
1 comentário:
Citação: ...“há mais falta de continuadores, ou seja, de aprendizes interessados no ofício, do que de clientes”!
E eu que o diga, pois uma das minhas funções é recrutar os profissionais, desta área, e é sempre tão difícil ou quase impossível substituir quem se reforma! Dentro deste blogge único, não querem criar uma Bolsa de Ofertas de Trabalho para Costureiras, Oficiais de alfaiataria e Mestres Alfaiates?
Seria uma grande mais-valia, para quem procura trabalho e para os profissionais da arte. Aqui fica a sugestão.
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