Em Lisboa, em plena baixa pombalina, José Augusto assegura o funcionamento da Alfaiataria Ernesto Martins, fundada em 1940. Entre os clientes, muitos ilustres que procuram o corte firme e certo do alfaiate e a distinção do espaço. A alfaiataria é ampla, com sala de recepção onde se escolhem tecidos, sala de provas e oficina de trabalho.
Um pedaço de tecido, sem forma. Em cima do tecido está um molde recortado em papel. Num primeiro olhar percebemos que reproduz o formato de uma perna. José Augusto segura o giz na mão. Com segurança e rapidez faz uns traços no tecido, contornando o pedaço de papel. No tecido, o desenho copia a forma que vimos, primeiro, no papel. «Isto é o molde de um cliente. Quando se faz o desenho dá-se sempre uma folga para os ajustes», conta José Augusto, alfaiate desde os 12 anos.
A Alfaiataria Ernesto Martins foi fundada em 1940 pelo alfaiate com o mesmo nome. José Augusto, natural de São João da Pesqueira, distrito de Viseu, chegou aqui depois de passar pela tropa. Seguiram-se anos de aprendizagem, de infinitas horas debruçado sobre os tecidos, os moldes, os cortes, os remates finais.
Em 1993 José Augusto adquiriu o espaço. Hoje, a alfaiataria lisboeta, na Rua da Conceição, porta número 7, mantém-se com a elegância de sempre.
Os móveis de madeira expõem alguns fatos já terminados. Móveis que arrumam também muitas amostras de tecidos. Tudo meticulosamente disposto e pronto para receber os ilustres clientes.
«Nomes não posso adiantar, mas a nossa clientela é essencialmente constituída por embaixadores, corpo diplomático, políticos», diz José Augusto com vincado orgulho. O anfitrião na arte do corte e costura acrescenta ainda: «Há um ministro da actualidade que a primeira vez que aqui entrou foi pela mão do pai para fazer o fato da primeira comunhão. Ainda hoje cá vem. O pai vinha e avô também». Uma sucessão de gerações em busca da mão firme de José Augusto para o corte e costura. A alfaiataria localizada num primeiro andar tem uma sala de recepção. Aqui, uma mesa de madeira maciça suporta os mostruários dos tecidos. «São todos importados. Portugal não tem fazendas de excelente qualidade. Usamos sedas, algodão, lã», diz José Augusto.
Por seu turno, a sala de provas, ampla, abre-se para uma janela que permite espreitar a rua da baixa pombalina. Jorra a luz natural. «Temos estes dois espelhos grandes, colocados frente a frente e giratórios. Permitem que o cliente veja frente e costas sem ter de torcer o pescoço».
Avançamos através de um corredor estreito. Está «forrado» de caixas. Dentro destas, parte da matéria-prima do alfaiate: linhas e botões. Chegamos à sala de trabalho. Um espaço grande, com mesa de corte, tábuas de passar a ferro e máquinas de costura. Neste espaço, José Augusto conta com a ajuda de três costureiras, uma delas sua esposa. «Algumas estão aqui há 40 anos», diz José Augusto. Noutros tempos, contudo, trabalhavam aqui 30 pessoas.
«O que mais gosto de fazer é a casaca, aquela com as asas de grilo, cortada à frente. É usada normalmente pelos maestros. Eu costumo fazer para o corpo diplomático, embaixadores. Outra peça que também me apraz é o fraque. Está cheio de pormenores», diz José Augusto, enquanto estica um tecido escuro. Coloca o molde de papel por cima e com o giz marca no tecido o desenho do molde.Noutros casos, para desenhar o modelo do fato recorre-se ao esquadro e régua. Nos utensílios do alfaiate junta-se a tesoura, o ferro, as linhas de alinhavar e coser, botões. «Continuo a passar as roupas com ferro a carvão. É mais pesado e faz melhor os vincos», explica o anfitrião.
Um saber fazer fundado numa tradição milenar, como atesta a história. O termo «alfaiate» tem origem na expressão árabe Al-Kaiat. O verbo khata significa coser. Já do latim, herdámos a expressão sarcir, que diz respeito à técnica de remendar um tecido roto com outro pedaço de tecido semelhante. Sarcir advém do verbo sarcire, que significa coser. Entre nós, uma das referências mais antigas do ofício de alfaiate remonta ao século XII. Na época, o alfaiate gozava de grande prestígio no reino de Portugal, especialmente entre os judeus. Um ofício ancestral que José Augusto já ensinou a alguns jovens. Todos saíram da alfaiataria. «A grande maioria não seguiu a profissão. Vive-se deste ofício, mas ganhar dinheiro não posso dizer que se ganhe. Eu já estou reformado, continuo a trabalhar por gosto, mas também por necessidade», explica.
1 comentário:
Fascinante!:)
Enviar um comentário