Faltavam 11 dias para a «Revolução dos Cravos» de 1974. Facto que o alentejano Francisco Brito não poderia antecipar. Na altura comprava a alfaiataria onde já trabalhava, em pleno Rossio. Sem o saber adquiria uma janela com vista para um dos palcos da Revolução. Indiferente, Francisco continuou a marcar os tecidos com giz, a cortar e a coser. Passados 37 anos, o alfaiate mantém viva a sua arte no mesmo local.
É
do corte e costura que Francisco Sabino Brito faz arte e profissão
desde os tempos da meninice, quando os horizontes eram alentejanos, os
de Almodôvar. Aos 17 anos, Francisco parte para Lisboa onde o seu
percurso de alfaiate havia de se cruzar com uma janela cobiçada.
«Comecei na actividade como aprendiz, aos 14 anos, ainda em Almodôvar. Naquela altura aprendiam-se ofícios como o de alfaiate, sapateiro ou carpinteiro», conta Francisco Sabino Brito na sua alfaiataria, a mesma onde se iniciou ao vir para Lisboa. «Cheguei à capital aos 17 anos. Depois, aos 20 fui para a tropa. Regressei aqui e a 14 de Abril de 1974 comprei a casa ao meu patrão. Isto 11 dias antes da Revolução», diz o alfaiate.
O número 93 da Praça D. Pedro IV (Rossio) tem vista privilegiada para a rua através da pequena janela da sala de corte e costura. A morada da Alfaiataria Brito ganha, assim, uma vista privilegiada para uma das mais cosmopolitas praças de Lisboa. Onde hoje há carros em buliço, turistas descontraídos e esplanadas de pendor estival, outrora anteciparam-se algumas movimentações para o dia que marcaria no calendário da História a «Revolução dos Cravos».
Francisco Brito, 61 anos carregados de genica, baixa o tom de voz quando refere a data da compra e as movimentações em torno da dita janela. Passados 37 anos sobre o fim do regime salazarista, Francisco sussurra quando remete as palavras para esse passado.
Na época a sorte como alfaiate esteve do seu lado, refere Francisco Brito. «No quarto onde vivia quando cheguei a Lisboa, morava também um alfaiate. Ele tinha a par do seu emprego, uma carteira de clientes. À noite no quarto ia costurando os fatos, ajudado por algumas costureiras. E ensinou-me muita coisa. Eu aprendia de noite e de dia. Isto fez com que chegasse a oficial muito rapidamente», explica Francisco Brito.
De aprendiz de alfaiataria, Francisco completou a sua passagem a oficial. O topo da carreira viria mais tarde como contra-mestre, «aquele que apenas corta». Um percurso rápido feito entre paredes caiadas de branco, onde a luz da rua entra pela única janela, aquela que dá vista para o Rossio.
A conversa faz-se na sala de espera, pequena. Aqui o cliente aguarda a sua vez, ocupando o tempo, provavelmente, com um dos inúmeros catálogos com amostras de tecido.
Da famosa janela, chega o burburinho da rua. Há quem apregoe a sorte contida numa fracção da lotaria. Há quem ponha a conversa em dia numa esplanada. Francisco Brito confessa que não gostava da fama da sua janela noutros tempos. «Nunca deixava vir aqui ninguém, sobretudo se era dia de muitas movimentações», conta, retomando o tom sussurrado.
«Houve, contudo, um dia que apareceu aqui uma moça sueca, com uma perna engessada. Pediu para fazer uma filmagem. Hesitei, mas ao ver o estado da moça e o esforço que terá feito para subir as escadas deixei-a entrar. Passou todo o dia na janela a filmar», pormenoriza o alfaiate.
Enquanto a «moça sueca» filmava a Praça do Rossio na década de 1970, Francisco Brito e os nove funcionários que naquela altura empregava, estendiam o tecido sobre a mesa. Gestos que se repetem hoje. Giz branco e mão certeira para desenhar o formato da roupa com o auxílio de uma régua e esquadro. A tesoura, grande e afiada, retira o excedente de tecido. As costureiras, com máquinas de coser e à mão, unem o restante e a roupa ganha forma.
No terceiro andar da Alfaiataria Brito, não há corredores. Da sala de espera a porta abre-se, dando imediatamente acesso à sala de provas. Um espaço rectangular com o espelho e um manequim para colocar os casacos.
«É aqui que um alfaiate mostra o que vale», adianta Francisco no espaço pequeno, abrigo das vaidades dos clientes. «Um bom alfaiate é aquele que faz bons ajustes. Repare, posso fazer um casaco de medida de peito 48, com um molde de 52, porque é aqui, quando o cliente prova, que ajusto», diz, entusiasmado.
«O corpo das pessoas varia muito, há uns que têm a barriga para fora, outros para dentro. Há ajustes nas mangas, muita coisa», conclui.
Uma das portas da sala de provas dá por fim acesso ao espaço de trabalho. Aqui, há máquinas de coser, tábuas de passar a ferro, pedaços de tecido caídos no chão, roupa alinhavada à espera da costureira. Há a famosa janela.
«Tenho clientes diversos. Há curiosamente uma geração nova com 30 a 35 anos que gosta de ter os seus fatos por medida. Tenho também muitos clientes de Angola. Neste caso, por exemplo, já tenho os moldes previamente feitos. Muitas vezes os clientes ligam e dizem: ‘quero um fato desta e da outra forma’. Estou aí no dia X. E eu faço. Quando eles chegam é experimentar, acertar pormenores e levar».
A confecção de fatos por medida, à distância, é possível porque Francisco tem moldes de todos os clientes. «Quando o cliente aqui vem pela primeira vez tiro, com uma fita métrica, as medidas de peito, anca, ombros, altura, tudo. Depois faço moldes em tecido». Este método de trabalho possibilita que o cliente faça encomendas. «E depois se aparecer aqui um cliente com medidas semelhantes é mais rápido, porque, cá está, o segredo vem depois na prova», acrescenta.
Hoje, Francisco conta com a ajuda de três costureiras, que alternam entre si. «Já ninguém procura o ofício. Isto é artesanal e demora a aprender», confessa.
Em média um cliente compra quatro a cinco fatos por ano, feitos com o preceito de mãos portuguesas que trabalham tecidos estrangeiros, sobretudo italianos. «Repare, uma pessoa vem aqui e paga a mão-de-obra que claro não é barata porque tudo isto é artesanal, não vai agora empregar o dinheiro numa fazenda ruim e as portuguesas estão muito más», remata o alfaiate.
As fibras não entram nesta casa. Francisco diz que «trabalha lã com caxemira, seda». A última tarefa na alfaiataria é o passar a ferro. Neste ponto, Francisco Brito mantém igualmente as tradições. O ferro é aquecido com carvão, «porque deixa o fato muito melhor», confessa.
Sara Pelicano
1 comentário:
Precisava da vossa ajuda, se possível.
Onde encontrar informação detalhada sobre esta profissão? Por exemplo os passos para fazer um fato, o nome de cada peça, os termos técnicos , o nome das ferramentas...
Agradecia a vossa ajuda...
o meu email:
jocamarsi8@gmail.com
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