domingo, 21 de setembro de 2014

Alfaiataria e Costura - Arte por Medida

        O giz de sabão desliza pelo pano deixando atrás de si a marca que orientará a mão que guia a tesoura. Desenhos dignos de arquitectura têxtil medidos a preceito numa fazenda nua aberta sobre a mesa dão início a um processo que terminará numa peça de roupa que vestirá um corpo á sua medida, ao seu feitio, ao seu gosto.
        Desde criança que Fernando Andrade foi inserido no mundo da alfaiataria. Mesmo quando frequentava a escola primária, aprendia em casa a arte que o seu pai já tinha aprendido com o seu avô e este com o seu bisavô. Ser alfaiate estava escrito no seu destino, mas mais do que ser o seu legado familiar, era a sua vontade, a sua vocação.
       Aos vinte e poucos anos de idade surge a paixão. Fernando conhece Maria dos Anjos Santos que morava no concelho vizinho. Além de todas as outras fórmulas e raízes quadradas em que o amor se soma, no cálculo desta relação havia ainda um algoritmo coincidente, a jovem que conhecera tinha ela também uma apetência para a aritmética da costura. Nunca as parcelas tinham acertado tanto num quociente.
      O namoro... O casamento... Os filhos...
          Mais de trinta anos juntos e três filhos depois, este casal de artesãos do têxtil partilham o seu espaço de trabalho num atelier de costura em sua casa. Mais de trinta anos ao serviço de uma arte em vias de extinção e que nesta família termina nesta geração.
     Ao entrarmos no atelier damos de caras com a velhinha máquina de costura Oliva que continua afinada como nunca. Para quê motor eléctrico quando o pedal permite um melhor controlo sobre a peça de roupa em confecção?  Na parede à esquerda prateleiras sustentam fazendas dos mais variados padrões e tons. A parede em frente ostenta dois varões na horizontal onde estão pendurados calças, casacos e outras peças de roupa acabadas ou por acabar, como podemos reparar nos casacos sem mangas alinhavados geometricamente. Há mais máquinas por ali. Há ainda três mesas de madeira, uma das quais cinquentenária, onde começa todo o processo de confecção de uma peça de vestuário e se desenrolam muitas fases até ao seu acabamento. Cores, texturas e padrões não faltam naquele local onde flanela, terylene e bombazine harmonizam com cones de linhas, tesouras, agulhas, dedais e fitas métricas. Ferros de engomar lançam nuvens de vapor inexistentes quando Fernando e Maria dos Anjos ainda jovens tinham de vincar e engomar as peças de roupa com os antigos ferros aquecidos a brasas que ainda guardam com carinho. Aqui as bainhas ainda são feitas à mão, as casas para os botões ainda são feitas à mão. Há um todo um processo contínuo na busca da perfeição que nenhuma máquina é capaz de proporcionar.
         A partir do momento em que uma fazenda é aberta sobre a mesa, nela é personificada o seu destinatário. Um nome, medidas e formas fazem da moda por medida uma arte que anda de mãos dadas com as pessoas, que é feita para as pessoas em todas as suas dimensões, que tem a sua assinatura. Uma peça de vestuário personalizada e única no mundo inteiro. A prova da roupa é disso mais um exemplo. Nada pode falhar e nesta fase intermédia ajusta-se a peça ao seu proprietário. Mais riscos de giz, medidas e alfinetes permitem obter um projecto final. Quando a confecção está terminada tira-se a prova dos nove. O corpo recebe a sua nova peça de vestuário.
         A arte de alfaiate teima em terminar tal qual a conhecemos hoje em dia, mais ainda que a arte de costureira. São pessoas como Fernando e Maria dos Anjos que mantêm e manterão estes ofícios vivos enquanto não lhes faltar forças. A preservação da cultura portuguesa depende dos seus cidadãos e quando eles mais que ninguém fazem por isso, então podem erguer a cabeça e dizer: eu compri a minha missão.






























Texto
    e           Bruno Andrade
Fotos

Portugal Aqui Tão Perto

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