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In "À Descoberta do Porto"
Germano Silva
JN 24-08-2008
Dedicado a todos os Alfaiates. (Artistas em vias de extinção)
In "À Descoberta do Porto"
Germano Silva
JN 24-08-2008
Não vou aqui falar numa freguesia do concelho do Sabugal nem de uma graciosa ave migradora com um bico esquisito, tipo sovela de sapateiro, mas sim de uma profissão que, segundo li há pouco tempo num jornal, se extinguirá dentro de vinte anos, o que eu acho optimismo exagerado. Com efeito, a arte de alfaiate, muito popular em Condeixa há meio século, está praticamente extinta. Haveria para aí, dentro da vila, cerca de uma vintena de indivíduos exercendo essa arte, já com a categoria de mestre. Aprendizes, semioficiais e oficiais - era esta a hierarquia dentro da profissão – talvez houvesse para aí o dobro dos que já se tinham alcandorado ao topo da arte. Era mestre quem sabia tomar medidas e talhar.
Hoje, o único sobrevivente de uma arte que aqui foi muito florescente, está com oitenta anos mas ainda mantém intacta a sua oficina . Embora já não se aventurando a manufacturar obra de responsabilidade ainda constitui um “pronto-socorro” para quem precise de apertar ou alargar um casaco ou umas calças, subir ou descer bainhas ou mangas e se for “bem conversado” ainda confecciona um bom par de calças para ambos os sexos. É o Joaquim Barrico, toda a vida mais conhecido pelo Quim Manoco que desde muito novo foi um alfaiate de sucesso. Desejo a este Amigo mais uns anitos com boa qualidade de vida.
Até aos anos cinquenta, era rara a peça de vestuário que não fosse feita por medida. Quando um fato era adquirido nalguma loja de pronto a vestir, o que acontecia quase somente nas cidades, qualquer alfaiate comentava desdenhosamente que se tratava de “obra de fancaria” isto é vendida por fanqueiros (estou a lembrar-me de uma rua da nossa capital, com este nome).
O freguês entregava o tecido na alfaiataria, submetendo-se desde logo a tomada de medidas pelo mestre alfaiate cuja fita métrica estava ordinariamente suspensa sobre o seu pescoço A fazenda era molhada para posteriormente não encolher. A obra iniciava-se com o esboço do fato feito com giz próprio, seguindo-se o corte e depois todas as operações de confecção que incluía uma ou duas provas. Um terno (casaco, colete e calças) exigia trabalho mais aprimorado e era feito geralmente de tecido de qualidade que só os mais abastados tinham possibilidades de adquirir. Para os de menos posses havia o cotim, a ganga e a saragoça que não exigiam confecção muito apurada, dispensava forros e por isso era menos onerosa.
Recordo-me da intensa azáfama que reinava nas alfaiatarias de Condeixa nas semanas que precediam as épocas festivas, designadamente a Páscoa o Natal e também o dia da procissão do Senhor dos Passos.
O Domingo de Páscoa e o 25 de Dezembro eram, principalmente, os dias em que muitos desejavam estrear fatiota nova e então, o trabalho nas oficinas de alfaiate desenrolava-se com frenesim fora do comum nas vésperas de tão importantes celebrações. Não havia horários e os serões prolongavam-se até às tantas. Também não havia folgas e era apertado o tempo dispensado às refeições e ao descanso. Cortar, (talhar) alinhavar, coser à máquina e à mão, provar, casear, pregar botões e passar a ferro eram operações que se sucediam com celeridade mas quase sempre sem prejuízo do apuramento da obra pois também estava em jogo o prestígio dos artífices, não estando também excluída uma natural rivalidade entre essa classe de artesãos . Os janotas queriam exibir-se, e os alfaiates, na mira de proventos que os compensassem de épocas mais brandas, davam o máximo.
Alguns alfaiates da minha terra tinham a sua freguesia disseminada nos meios ferroviários mais próximos – Granja do Ulmeiro, Santo Varão, Formoselha e Pereira do Campo. Nas suas oficinas predominava o tecido de cor castanha , tonalidade usada para os fardamentos dos funcionários da CP, designadamente factores e revisores. Ao Domingo, lá iam eles montados nas suas bicicletas com a trouxa dos fatos muito bem acondicionada na “bagageira” do velocípede, afrontando por vezes resignada e estoicamente a chuva impertinente ou a impiedosa canícula. Antes de terem bicicleta, alguns aproveitavam a boleia de moleiros que faziam o seu carreto para aquelas bandas. Regressavam já de noite, depois de terem percorrido mais de três dezenas de quilómetros muitas vezes com os bolsos sem a quentura do dinheirinho por que tanto almejavam e que só era mais certo nos dias de pagamento dos servidores daquela empresa ferroviária. Partilhei intensamente, até à altura de ir para Coimbra tirar o meu modesto curso comercial, esta atribulada vida de alfaiate. Meu Pai era um deles e levou sempre, como tantos outros, uma vida de sacrifício pois nesta terra, tirando um ou dois alfaiates bem afreguesados, todos os demais estavam longe de viver desafogadamente.
Os alfaiates estão pois, em vias de extinção irreversível. As lojas de “pronto a vestir”, ultimamente com forte concorrência dos ciganos nas feiras, foi gradualmente acabando com eles. Nas grandes cidades ainda vão subsistindo os melhores, que são procurados por executivos ou gente da alta que embora pagando caro, ainda preferem um fato que se molde bem ao seu corpo ou então que, pela sua corpulência ou defeito físico, não encontrem naqueles estabelecimentos coisa que lhes assente bem. Mas a verdade é que a confecção de obra personalizada está a passar à história.
26.06.08
CW: Zilda Monteiro
In "O Despertar"