O alfaiate mais antigo do Porto
Ayres da Silva será o mais antigo alfaiate vivo do Porto. Já há muito que se reformou, mas um “alfaiate é alfaiate para vida toda”. É o próprio que nos diz. No dia em que fomos conhecer o ateliê do neto também lá estava. Passou por lá para ajudar o neto a “resolver um problema” com o fato de um cliente. Aos 88 anos recorda-nos os tempos áureos da alfaiataria portuense, antes das ruas da cidade se abrirem ao mercado internacional do pronto-a-vestir. Perguntamos se os homens se vestiam melhor dantes ou agora. Antes de abrir a boca, a expressão da cara deixa transparecer a resposta.
Serviços que vão além da fita métrica
“Nunca vamos conseguir substituir o alfaiate. Alfaiataria é tudo o que é feito por um alfaiate, que é feito à mão, que é uma obra de arte”. A frase é de Duarte Foro, 26 anos, um dos fundadores da marca Alphaiate, com Francisco Appleton, 27 anos, e Sofia Marques da Costa, 23, que se propõe a fazer fatos por medida. Poder-se-ia dizer que são uma espécie de “alfaiataria moderna”, das que sabe tirar as medidas, mas deixa a confecção para os ateliês industriais.
Conta que a ideia surgiu por “brincadeira” há uns três anos, quando se lembrou de mandar fazer um fato à medida para ir a um casamento. Uma azul majorelle que fez sucesso e que lhe pôs na cabeça a ideia de criar “uma marca de fatos à medida”. Hoje, Duarte diz que detesta o fato, mas a ideia de criar um negócio ganhou forma e está a consolidar-se: chegaram à meta dos 50 fatos encomendados por mês.
Mesmo depois de terem aberto em Março de 2015, com o foco numa plataforma tecnológica, que seria o core do negócio, onde o cliente escolheria, a partir de um modelo 3D do fato ou camisa, o tecido, forro, colarinhos e botões. Mas depressa perceberam que este era um negócio em que as pessoas “gostam de ver, de tocar, de falar. Ninguém compra um fato por medida pela Internet”, diz o fundador da Alphaiate.
Chegaram , por isso, a um modelo “semi-tradicional, meio alfaiate, meio made to measure”, que tem como objectivo substituir todas as colas, para passar a ser tudo cosido nas peças que comercializam.
“Eu nunca posso dizer que sou concorrente de um alfaiate. São artistas, fazem obras de arte que valem todos os cêntimos”, defende-se Duarte.
Um fato vegan
São negócios que surgem ligados à alfaiataria, e ao que se quer cada vez mais feito à imagem de cada um, de quem não tem um passado ligado à arte, mas que viu nela o potencial de criar um negócio. Como Paulo Pinho quando, também há três anos, fundou a UOY (sigla de Uncover the Original You - “Descobre o teu eu original”, em português). Num espaço na Embaixada Shopping Gallery, no Príncipe Real, onde dois personal tailors (alfaiates pessoais) aconselham o cliente que tem nas mãos a construção do próprio fato: tecidos, botões, linhas, forros.
E que se quer aproveitar da “confecção com qualidade” que existe no país e da “existência de um conjunto de pessoas que é obrigada a andar com esta indumentária, de fato e gravata, todo o dia”, diz Miguel Paté, o responsável de marketing, função que estas novas alfaiatarias já têm.
“O tipo de fatos que há no ready-to-wear (pronto-a-vestir) não permite que cada pessoa se afirme individualmente. Acabam quase todos a andar com o mesmo uniforme”, diz Miguel.
Trabalham para clientes formais, aos mais “dandies”, pais e filhos, de todas as faixas etárias, para noivos que pedem para gravar frases para as noivas ou que pedem fatos cor-de-laranja. “O que diferencia aqui são os tecidos, entretelas naturais, semi-cosidas”, diz Maria Vaz, 49 anos, a personal tailor de serviço.
Parte do trabalho de alfaiataria é feita em fábrica. “Tivemos um bocadinho de dificuldade me arranjar alfaiates. Tem que ser uma pessoa que saiba, que trabalhe bem”, conta a personal tailor. A produção é toda feita em Portugal, no norte do país.
Neste momento, a UOY dedica-se à roupa masculina, mas está em cima da mesa a confecção de vestuário para mulheres. Além de que, gradualmente são já incluídos produtos pronto-a-vestir (camisas, gravatas, casacos, coletes, calças, sapatos), próprias ou em parceria com outras marcas.
Ao serviço por medida, estas duas marcas quiseram aliar a consultoria de imagem. Acabam por ajudar o cliente a escolher a gravata ou os sapatos. A ideia é “encaixar no corpo e na mente do cliente”, diz Duarte. Para isso deslocam-se a casa ou ao escritório dos clientes. Têm clientes que trabalham fora do país, clientes que não gostam de perder muito tempo que por vezes mandam fazer dois e três fatos por vez. Um fato demora cerca de um mês a estar pronto.
Na Alphaiate, há fatos a partir dos 400 euros. Na UOY, começa nos 499 e pode ir aos milhares de euros. Tudo depende do tecido, claro está. “O cliente vem aqui e compra o que puder”, diz Maria.
A personalização pode ir até à natureza da própria natureza dos tecidos. Por exemplo, fazer um fato vegan, sem tecidos que provenham de animais.
São negócios que querem aliar a tradição à modernidade, a partir da figura icónica do alfaiate e que estão online para oferecer a ideia que qualquer produto está acessível para ser especialmente feito à imagem de cada um.
“Os homens agora não se sabem vestir”, assegura. Pelo menos a maior parte.
Conta que muitas personalidades conhecidas foram vestidas por ele. Recorda José Maria Pedroto, antigo treinador do Futebol Clube do Porto e diz ter feito o “último fato de Salazar”. No balcão do neto está uma tesoura que pertence a um conjunto que comprou a um alfaiate mais antigo do que o próprio e que agora pertencem a Ayres Gonçalo. “Esta tesoura já cortou tecidos para fazer fatos para o Rei D. Carlos”.
E preços? Alfaiate que se preza não os revela. No entanto, na Piccadilly e na J. Gomes dos Santos, um fato custa, no mínimo, 1500 euros, mas pode ir aos milhares. Mas são fatos que, se bem estimados, duram uma vida, diz João Ribeiro.