domingo, 30 de dezembro de 2007




Ser alfaiate é hoje uma profissão em vias de extinção. Se pegar numa lista telefónica vai constatar, com facilidade, que na cidade do Porto existem apenas meia dúzia, a maioria rondando os 60 anos. Já não há "seguidores" desta actividade, o que entristece António Saldanha, um dos poucos que ainda hoje se mantém activo na baixa do Porto

Os 67 anos de António Saldanha não são visíveis no rosto e postura, do homem que desde os 16 anos é alfaiate, um dos poucos ainda existentes na cidade do Porto. Enquanto fala mantém o sorriso aberto, revelando muita da paixão que sente por aquilo que faz. Não se imagina a reformar-se e ainda hoje faz todas as suas peças de roupa, com excepção de pullovers e camisas. Aprendeu "a sua arte" muito novo, quase criança, tinha onze anos. Foi ao longo de cinco anos que conheceu "todos os segredos" da actividade de alfaiate. A dedicação, o empenho e também o talento valeram-lhe uma fiel clientela que, passados tantos anos, ainda vem encomendar fatos ou simplesmente umas calças ou um casaco. Enquanto conversamos com ele, fomos interrompidos duas vezes, para uma prova e para o registo de uma encomenda de um novo fato. António Saldanha admitiu que o volume de trabalho tem vindo a diminuir, mas que "se consegue viver". Porém, a época de crise deixa as suas marcas.António Saldanha é natural de Freixo de Espada a Cinta onde aprendeu muito novo a profissão de alfaiate, mas foi em Torre de Moncorvo que se especializou. Depois da tropa, em 1965, veio para o Porto trabalhar, primeiro para o "Mário Alfaiate" e posteriormente para a "Casa David" onde rapidamente mostrou as suas potencialidades. O seu profissionalismo e valor foram rapidamente reconhecidos e valeram-lhe a oportunidade de tirar dois cursos de aperfeiçoamento na área técnica para fábricas, confecções e alfaiataria, ou seja, no âmbito da modelagem. Foi o melhor aluno, passando depois a ocupar a parte técnica da alfaiataria onde trabalhava na altura. Sempre quis ter o seu próprio negócio, por isso não ficou de braços cruzados e aproveitou as oportunidades que lhe foram surgindo. Em visita a uma Feira Internacional de Moda, em França, e devido a vários contactos feitos, surgiu a oportunidade de ingressar numa grande empresa de confecções. A hipótese de imigrar pareceu-lhe tentadora, mas ao fim de um ano, com a mulher e filhos em Portugal, e tendo muitas dificuldades para se legalizar, decidiu regressar. Adquiriu uma alfaiataria na rua de Santa Catarina e rapidamente os clientes foram surgindo e aumentando. "Cheguei a ter oito pessoas a trabalhar comigo", refere António Saldanha. Hoje o número de empregados é menor, na medida em que o volume de trabalho também diminuiu, porém salienta que actualmente é complicado arranjar pessoas especializadas nesta área. "É uma das razões para as alfaiatarias tenham os dias contados", diz. A título de exemplo, salienta que se puser um anúncio a pedir aprendizes ou estagiários de alfaiate ninguém responde, o que o entristece. Mas acima de tudo sustenta que, comparativamente aos outros colegas de profissão, é um optimista, pois a sua intuição diz-lhe quê "as coisas vão mudar", e até dá uma sugestão. A ANIVEC poderia dar apoios (suportando os custos do ensino e material gasto) para que os antigos alfaiates da cidade tivessem jovens estagiários a aprender o ofício.

Os seus clientes são os mesmos de sempre. É certo que alguns já morreram ao longo destes 30 anos em que trabalha por conta própria, porém entretanto começaram a vir os filhos e alguns amigos que continuam a encomendar peças de vestuário, embora em menor número. Normalmente vêm ao alfaiate fazer um fato completo, sobretudo ou simplesmente umas calças ou casaco. A justificação para vir ao alfaiate são sempre as mesmas: "fica melhor", "assenta na perfeição", "as peças não ficam deformadas com o uso". Há também algumas mulheres que aparecem, nomeadamente para fazerem o fato completo, ou seja, saia/casaco ou calça/casaco, mas são em número quase residual. Os meses entre Maio e Setembro, altura em que se realizam muitos casamentos, são os períodos em que o fluxo de encomendas aumenta exponencialmente. Se lhe perguntarem qual é a peça que mais gosta de fazer, responde que não tem preferência. É capaz de fazer uma toga, um fraque ou uma casaca do princípio ao fim. Mas usualmente na sua alfaiataria cada trabalhador tem uma função e uma área em que se distingue por aquilo que melhor faz. Actualmente tem três costureiras e é o próprio António Saldanha que tira as medidas, faz o corte das peças e realiza as provas, sendo o restante trabalho feito por elas. Apesar de ter uma ficha actualizada dos clientes, faz sempre duas provas das peças, pois pode haver algum pormenor que queiram alterar. E é fruto da conversa que tem durante essa tarefa que se vai apercebendo de aspectos que podem ser modificados. Na sua opinião, um bom alfaiate é aquele que gosta do que faz e isso revela-se no seu trabalho, nos pormenores. O saber fazer uma prova e marcar bem todos os elementos, desde a localização dos botões e o tamanho da manga é para si "meio caminho andado para executar bem a peça". Considera igualmente que factores como a dedicação e o empenho são igualmente fundamentais para exercer a actividade com o sucesso. Ser-se alfaiate requer amor e dedicação. "Não se pode estar na profissão simplesmente para cumprir horários". E a comprová-lo ainda hoje tem casa aberta e trabalha fora de horas se assim for necessário. Já diz o ditado - salienta -"quem corre por gosto não cansa".
Texto: Carla Nogueira
Fotos: Virgínia Ferreira
In Viva Outubro 2007

domingo, 25 de novembro de 2007

O alfaiate que veste gente importante


Fernando herdou do pai o talento de alfaiate.
As suas mãos já vestiram desde Marcelo Rebelo de Sousa
à rainha Sofia de Espanha

Com um naco de giz branco seguro firmemente entre os dedos da mão, Fernando Almeida desliza sobre a mesa para desenhar um traço aqui, outro ali, no metro e meio de tecido preto. Num abrir e fechar de olhos, um traje de solicitador começa a ganhar forma. Raras são as vezes que o alfaiate se socorre da precisão da fita métrica.
Completa este ano 82 primaveras, 70 das quais a manusear tecidos, a marcá-los e cortá-los. Aprendeu a técnica com o pai, Manuel Guilherme de Almeida, Mestre Alfaiate, responsável pela abertura, em 1934, da primeira escola de alfaiates em Portugal, ainda hoje de portas abertas, para quem faça gosto em aprender esta arte.
A passagem do tempo vincou-lhe a pele, gastou-lhe a corda às palavras, mas a memória mantém-se fresca como uma alface. Ainda que a passo de caracol, Fernando reparte agora a sua atenção entre traçados e o relato de infindáveis lembranças de seu pai. Dava pelo nome de Manuel Guilherme de Almeida e os primeiros passos em alfaiataria foram precoces: tinha onze anos.
Proveniente de uma família pobre, foi obrigado a procurar trabalho para ajudar a levar o pão à mesa da família. Certo dia, em mais uma busca desenfreada pelos classificados do ‘Diário de Notícias’, os seus olhos cruzaram-se com um anúncio onde eram solicitados os serviços de um aprendiz de alfaiate.
Nunca antes as suas mãos tinham sentido a textura de uma agulha ou de uma linha de costura. Nem se conheciam histórias de alfaiates na família. Mas o talento do rapaz entupia-lhe as veias. Não tardou em dar nas vistas, chegando rapidamente às mais exigentes alfaiatarias da época. Mais tarde, é ele próprio quem se aventura no ensino, passando a centenas de aprendizes a pasta de conhecimentos e experiências adquiridos ao longo dos anos.
O ensino traz-lhe novo fôlego e Manuel Guilherme de Almeida debruça-se mais uma vez sobre os livros para estudar a fundo técnicas de corte, tanto em vestuário de dia-a-dia como de cerimónia, desportiva, regional e militar. A embriaguez de informação levou-o a deparar-se com deficientes traçados de métodos de corte. Para fazer frente à lacuna, puxa pela cabeça, põe mãos à obra e cria um sistema próprio denominado Maguidal.
“Ma” de Manuel, “Gui” de Guilherme, “Dal” de Almeida. Trata-se de um método proporcional que apresenta as fracções relativas a cada medida de peito, destinadas aos traçados do corte, dispensando as antigas réguas de escala, tabelas ou cálculos aritméticos. “Encontramos 1/3, 1/6 ou 1/12 de escala através de duas linhas oblíquas do rectângulo da cava.
Fracções que podem ser verificadas através do ensaio dos vários tamanhos convencionais”, esforça-se Fernando por explicar, com noção de que para quem está de fora, a compreensão do sistema não é pêra doce. “A Geometria Descritiva também me deu muitas dores de cabeça. Comecei com 6, depois tive 9, mas cheguei aos 17”, revela em solidariedade.
Seja lá de que forma se chega ao método, o que é certo é que com a inovadora técnica, o nome de Manuel Guilherme de Almeida foi aplaudido e atravessou fronteiras. Patenteado com o número 27800, encontra-se descrito no livro Método de Corte Maguidal, com edições em 1948 e 1962.
Foi igualmente sob as iniciais do nome do prestigiado alfaiate que ficou baptizada a primeira escola de alfaiates portuguesa, da qual foi fundador: Academia de Corte Maguidal. Nasceu há 72 anos num típico prédio lisboeta, na Rua da Palma, Almirante Reis e, em pouco tempo, tornou-se um requisito obrigatório para quem quisesse vingar no mundo do corte e costura.
“Aos mestres e contramestres das antigas Oficinas Gerais de Fardamento do Exército era-lhes exigido um diploma da escola”, realça Fernando. O seu pai leccionou quase até ao último dos seus dias, em 1992. Dez anos antes, foi instituído em Portugal o Dia do Alfaiate, em sua homenagem.
Deste lado, Manuel deixou três filhos já crescidos. Todos com percursos de vida bem distintos. Arnaldo formou-se pintor, Guilherme é físico, e Fernando, escultor, professor de Belas Artes e o único que sempre se interessou por aquilo que o pai fazia. “Acho que também nasci para isto”, sussurra, sem meias palavras.
Desde os doze anos que Fernando começou a frequentar assiduamente a Academia do pai. Perdia a conta às horas quando o via ensinar a arte de bem cortar e, a pouco e pouco, foi entrando no esquema. Mais tarde, a sua formação como escultor acabou por lhe ser útil no mister de alfaiate. No entanto, foi preciso o pai encontrar-se em idade avançada para Fernando se dedicar a tempo inteiro à Academia. Antes, conciliava a ocupação com as aulas na Escola António Arroio.
Hoje, o extenso trabalho nascido das suas mãos e do seu progenitor, enchem dossiers coloridos, onde a cada página se vêem esboços, desenhos e recortes de jornais e revistas. As capas plastificadas tentam preservar memórias que enchem Fernando de orgulho. Página a página vê-se ora Marcelo Rebelo de Sousa, ora Alberto João Jardim, ambos com vestes assinadas por Manuel Guilherme de Almeida. Mais à frente, o repertório alarga-se à escala internacional.
Foi na Academia de Corte Maguidal que nasceram os modelos dos trajes académicos de todas as universidades públicas e privadas de Lisboa. A fama atraiu, no entanto, encomendas do resto do País e do estrangeiro.
Um dos recortes de jornal tem impressa uma pintura clássica do casamento de D. Manuel I. Entre os convidados, um homem de identidade desconhecida enverga uma boina que serviu de fonte de inspiração para o traje da Universidade de Évora, a mesma com que a rainha Sofia de Espanha vestiu a sua cabeça aquando da vinda a Portugal para ser agraciada com o grau de doutora Honoris Causa.
Fernando não esquece esse momento de glória. Desapontou-o apenas o facto de não ter confraternizado pessoalmente com Sua Majestade. “Não lhe tirei as medidas!”, atira, com ar malandreco. Para a mesma causa, foi responsável pela farpela de Mikhail Gorbatchov na Universidade Moderna, em 1995. Também não esteve frente a frente com o Nobel da Paz, mas desta vez tanto lhe fez.
Aqui também são executadas togas, becas, batinas que vestem juízes, advogados e doutorados. Tudo feito com os melhores tecidos nacionais, ‘terylene’, cetim de algodão e seda. Mas enquanto as fardas saem quase à velocidade de fábrica das mãos de Fernando, o mesmo não se pode dizer do número de alfaiates. São cada vez menos os que procuram formar-se nesta arte.
Os últimos alunos vieram das oficinas da GNR e, mais recentemente, dos armazéns El Corte Inglés, quando inaugurado no seio da capital portuguesa, em 2001. “Deixou de haver aprendizes, não só na alfaiataria como em todas as artes. É o fim das profissões de produção manual”, revela, entristecido.
Mas como o dia da extinção ainda não chegou há que erguer a cabeça e continuar a produzir. Com 82 anos, Fernando cumpre religiosamente o horário das 9 às 18. E vê-se que o faz com prazer.


Janete Frazão
IN Correio da Manhã

Há cada vez menos mestres alfaiates


Sempre que o filho aparecia com más notas, João Ribeiro fazia um ar despreocupado: "Se não queres estudar não faz mal, vais lá para o atelier e aprendes a profissão." Assustado, ele agarrava-se aos livros. "Como se isto fosse a pior coisa do mundo", conta o pai, com um misto de tristeza e orgulho no filho economista.
João Ribeiro tem 58 anos e é alfaiate desde os 11. Domingo Rocha, hoje com 51 anos, iniciou-se com apenas 10. Fernando Metelo, de 65 anos, já leva 54 de profissão. Eugénio Gomes, de 62 anos, tinha apenas 12 quando o sentaram num banquinho a treinar a coser com um pano, uma agulha e um dedal. "Mas sem linha, para não dar prejuízo à casa". "Naquele tempo", dizem, era comum os miúdos só estudarem até à quarta classe. Porque não havia escolas por perto, porque a vida era cara, porque era preciso contribuir para o orçamento familiar. "Ou se ia para uma fábrica ou se aprendia uma profissão." Uma arte, como a de alfaiate, a de sapateiro, a de carpinteiro. Os dedos pequenos dos adolescentes picavam-se nos alfinetes e atrapalhavam-se com os moldes. Na tesoura, a enorme e pesada tesoura do mestre, nem tinham autorização para mexer.
De aprendiz a oficial e a contramestre, a carreira fazia-se de passos pequenos. Pendurado no seu atelier, com vista para os eléctricos da Graça, Fernando Metelo tem o diploma do curso tirado na Academia de Corte Maguidal, fundada em 1934 (e ainda a funcionar). Noutra parede, o horário da loja desde que se estabeleceu por conta própria, em 1971. Nas gavetas acumula recortes, fotografias, exemplares da Vestir, "publicação trimestral de técnica e moda para alfaiates". Em 1964 estima-se que existiam no País mais de seis mil alfaiates. "Os homens vestiam-se todos no alfaite e as senhoras na modista", conta Fernando.
A situação mudou após o 25 de Abril. A implementação do salário mínimo obrigou muitas oficinas a dispensar pessoal e a reduzir o seu trabalho. Depois, o pronto-a-vestir tornou-se cada vez mais comum e mais barato. Incapazes de competir com a rapidez e os preços das lojas, os serviços dos alfaiates tornaram-se um luxo reservado a alguns. A escolaridade obrigatória e as malhas cada vez mais apertadas da fiscalização do trabalho infantil fizeram o resto. Hoje, a profissão está oficialmente em extinção. Os jovens querem estudar ou optam por trabalhar nos serviços, em algo que lhes pareça mais atractivo e com mais possibilidades de progressão. "Se gostam da área, vão para estilistas."
Rosado e Pires, Jivago, Américo e Lima, António Simões, David, Old England... João Ribeiro enumera de cor as casas de alfaiate que nos últimos anos fecharam as portas na Baixa de Lisboa. Para sobreviverem, alguns tiveram de se reciclar ou deixar de parte o orgulho. Fernando Metelo mantém ainda o seu atelier, mas deixou de receber clientes pois trabalha para uma loja - "Era a única maneira." As suas mãos não param e nos cantos acumulam-se sacos de fatos por terminar. "Nunca imaginei que um dia iria ter de alinhavar e coser", lamenta-se, referindo-se à tradicional distinção entre os alfaiates (que moldam, cortam e provam) e as costureiras (que, como o nome indica, cosem).
Para Domingo Rocha, o pronto-a-vestir não é uma ameaça. Afinal, ele é o mestre alfaiate do Corte Inglés, em Lisboa. A seu lado, estendem-se cabides e cabides com as melhores marcas de roupa para homem. Mas Domingo sabe que quem se aproxima do seu cantinho forrado a madeira procura algo diferente: atendimento personalizado, as medidas certas anotadas numa ficha com o seu nome, um modelo único, um fato que seja como uma segunda pele. Os alfaiates orgulham-se das suas obras: costuras perfeitas, casas de botões à medida, riscas que nunca estão desacertadas, bolsos que nunca são falsos, avessos sem mácula. Perfeição. "Cada corpo é um mundo", diz este mestre de gestos delicados e postura impecável. "Não tenho só de fazer com que as pessoas se sintam mais confortáveis. O mais difícil é fazer com que as pessoas gostem de se ver."

MARIA JOÃO CAETANO
VASCO NEVES (imagem)
In Diário de Notícias

O gabinete de prova é um lugar de intimidade


O gabinete de prova da Rosa e Teixeira é um mundo à parte. O cliente entra pela loja, o alfaiate vem das oficinas. Encontram-se no pequeno quarto redondo, forrado a madeira e espelhos, com sofás de veludo e maçanetas doiradas. O ar condicionado mantém a temperatura agradável. Não há mais ninguém ali. "Há uma intimidade muito grande", admite Eugénio Gomes, o mestre alfaiate daquela que é uma das casas mais conceituadas de Lisboa, fundada em 1944. "Tenho clientes há 40 anos."

O alfaiate conhece cada pormenor do corpo do seu cliente. O ombro descaído, a corcunda, a barriga já saliente, a perna ligeiramente mais comprida. E, com o passar dos anos e das provas, começa também a conhecer-lhe outras facetas. O que diz um homem quando está meio despido? "As pessoas confiam em nós", explica João Ribeiro. "É por isso que os clientes acompanham os seus alfaiates quando eles mudam de atelier. Estabelece-se uma relação."

Quem entra na Rosa e Teixeira, na Avenida da Liberdade, não imagina que para lá da loja se estende um mundo de corte e costura. Além do mestre Gomes, há dois alfaiates oficiais e uma dúzia de costureiras sentadas em cadeiras baixinhas, as costas curvadas sobre as calças, casacos e coletes. E, mesmo assim, não têm mãos medir. A profissão pode até estar a extinguir-se, mas não será por falta de clientes. "Muitos", repetem os alfaiates, sem avançar números concretos. João Ribeiro tem um ficheiro onde anota as medidas dos seus clientes. Eugénio Gomes guarda os moldes de cada senhor em rolinhos que acumula nas prateleiras da oficina. "Muitos."

São geralmente de classes altas, homens de negócios e da diplomacia, empresários, políticos. "Jovens que nas primeiras vezes vêm com os pais e depois ficam clientes." Cada vez mais jovens, asseguram. "O meu maior prazer é ver um cliente voltar. Receber uma pessoa pela primeira vez é fácil, o mais difícil é conquistar um cliente", explica Domingo Rocha.

Alguns podem já trazer uma ideia daquilo que querem mas, na maior parte das vezes, procuram o conselho do alfaiate. Sobre o tecido, o feitio das calças, o tamanho dos botões, o padrão do forro. Com mais ou menos pregas, largo ou apertado, o modelo clássico é o mais pretendido. Depois da primeira visita, em que tudo fica decidido e se tiram as medidas, seguem-se duas ou três provas. "Este é um trabalho que exige muita paciência", afirma Domingo Rocha. Um fato completo pode demorar duas semanas a um mês a ficar pronto. Mas os alfaiates também fazem sobretudos, casacas, capotes, togas, "tudo o que faz parte da indumentária masculina", e alguns até fatos para senhoras.

Para chegar ao atelier de João Ribeiro é preciso atravessar uma loja de bijuterias da Rua de Santa Justa. Subindo aquelas escadas carcomidas pelo bicho da madeira, encontra-se um homem que adora desafios. João Ribeiro gosta que lhe entrem por ali adentro a pedir modelos originais, com recortes de revistas estrangeiras e muitos problemas por resolver. "Às vezes acontece. Sobretudo a malta mais nova. Há quem pense que o trabalho do alfaiate é meramente mecânico, mas não é", avisa. "Hoje em dia, por causa dos preços, só vem ao alfaiate quem tem muito dinheiro, e por isso também é muito exigente. Ou então quem tem muita dificuldade em encontrar roupa de tamanho adequado ao seu. Pessoas gordas, baixas ou com barriga. E nós temos de encontrar as soluções. É o nosso trabalho."

In Diário de Notícias


quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ultimos Alfaiates da Covilhã

Na década de 70 eram cerca de nove os alfaiates na Covilhã. Hoje restam apenas dois. Os clientes são os mesmos, mas há quem continue a procurar os seus serviços. O que falta são novos aprendizes

António Catrapão, 55 anos, é alfaiate. José Mendes, 63 anos, é alfaiate. São os últimos na Covilhã e provavelmente dos arredores. Dedicaram uma vida à arte da alfaiataria. Uma actividade, segundo dizem, pouco divulgada e pouco valorizada. António não sabe ao certo precisar há quanto tempo trabalha como alfaiate. Já perdeu os anos que dedicou a esta actividade. “Talvez uns 40 anos”, afirma. António só estudou até à quarta classe. A vida era cara e desde cedo era obrigado a contribuir para o orçamento familiar. “Ou se ia para uma fábrica ou se aprendia uma profissão”, refere. Após concluir a quarta classe e por vontade dos pais, António seguiu este rumo. A sua mãe era costureira e trabalhava para um alfaiate. Aos onze anos António deu os primeiros passos. António refere que esta não era a actividade que gostaria de exercer “teve de ser e foi o que estava mais à mão”, acrescenta. Antigamente os alfaiates aqui daqui da cidade tinham como referência a Dielmar, “como exemplo dos mais altos valores de qualidade e rigor”, acrescenta António. Foi em 1980, há 27 anos que António abriu o seu atelier de costura. Recorda com saudosismo o tempo em que existiam cerca de doze alfaiates na Covilhã. Hoje apenas está ele e o colega José Mendes.

Outrora António teve duas empregadas a trabalhar a tempo inteiro para si mas por razões de falta de trabalho viu-se obrigado a prescindir das mesmas. Assim há quinze anos que trabalha sozinho no seu atelier “António’s Alfaiate”. A partir da década de 90 houve um retorno no trabalho sobretudo devido à implementação do salário mínimo que obrigou muitas oficinas a reduzirem os postos de trabalho. Depois os prontos-a-vestir que rapidamente se expandiram pela cidade. Com produtos acessíveis a todas as bolsas, de qualidade e como uma variedade de produtos e uma gama variada de novos estilos e padrões. Incapazes de competir com a rapidez e os preços do pronto-a-vestir, os serviços dos alfaiates tornaram-se num luxo reservado só para alguns"...

in Noticias da Covilhã

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A dona Candidinha e os estilistas

Há quarenta anos, a Vera Lagoa escrevia que os homens mais elegantes e bem vestidos estavam, onde havia verdadeiros mestres alfaiates prestigiadíssimos - quem quisesse ser alguém tinha de mandar fazer num deles, pelo menos, dois fatos por estação. Os Mestres dedicavam-se a cortar, a fazer as duas provas da praxe ao freguês e iam todos os anos a Londres «contrabandear» as peças dos melhores cheviotes, príncipes de gales e flanelas.
Nas senhoras era difícil rodar toillettes porque não havia vernissages, não lhes passava pela cabeça sequer chegarem perto das buates e, para ir ao Rivoli ou ao Trindade, bastava porem o vison da Rússia no Porto ou da Beigel. Quanto ao Presidente Rui Lacerda, seria impensável patrocinar uma cópia rasteira do baile do Clube na Bolsa.
A grande modista da época era a dona Candidinha, onde as mães de posses fizeram ou mandaram fazer, um dia, um vestido, um enxoval ou o saial do baptizado da criancinha.
No Porto, sempre houve uma fortíssima tradição de competentes calceiras, camiseiras, cerzideiras e costureiras, todas fornecedoras de confiança das modistas e alfaiates, trabalhando no duro muitas horas por dia, que, infelizmente, também desapareceram com os patrões.
Hoje, o negócio da moda em Portugal (as modistas, assumidamente envergonhadas, transformaram-se em «estilistas») é um conglomerado esquisito de actividades que aparentemente vivem de tudo menos de vender vestidos - fashion advisers, agências de modelos e de comunicação, cabeleireiros, maquilhadoras, personal trainers, cenógrafos, fotógrafos, revistas do coração, eu sei já quanta gente!
E digo isto porque, através de uma rápida pesquisa pessoal, inventariei 25 - vinte e cinco! - «estilistas» portugueses referenciados quase em permanência na comunicação social especializada e porque, também segundo dados conhecidos, não devem chegar a facturar, no seu conjunto, milhão e meio de euros, o que dá uma média per capita de sessenta mil euros por ano, ou, em valores do tempo da Candidinha, doze mil contos!
De que vive toda esta gente? Como pagam aos seus mais díspares fornecedores e assalariados? Que raio de empresas serão estas, que, em princípio, não conseguem facturar sequer para pagar a luz eléctrica que gastam?
Elas são, afinal, o sofisticado exemplo daquilo em que se transformou parte do nosso tecido produtivo terciário - a cheirar muito a glamour, preocupado com a imagem e a comunicação, tudo fazer para ser famoso como forma de fugir ao anonimato da vulgaridade, mas, na essência, um desesperado flop empresarial e de investimento.
A maior parte destas «empresas» entra, ano após ano e sem qualquer acrescento real de valor, no circo sazonal dos festivais da moda nacional, pagos por organismos públicos de promoção internacional e outros privados, que se lhes referem sempre como de enorme sucesso, embora, infelizmente, sem incremento das vendas ou da penetração nos mercados.
Este verdadeiro processo de faz-de-conta seria inócuo e indolor se não estivéssemos a falar de empresas, investimentos, financiamentos, trabalhadores, fornecedores e mercados - stakeholders, conceitos e valores que deviam merecer o máximo respeito - que, em princípio, deveriam tirar algum retorno visível dessas iniciativas, para além do tal glamour e a publicidade paga nas revistas do costume.
É, portanto, aqui que se situa o essencial da questão: os diferentes promotores e financiadores, os tais que puxam os cordões à bolsa para alimentar toda esta gente, têm, de facto, algum retorno efectivo ao investimento efectuado? Se não, qual a razão - a verdadeira razão, a de fundo! - para insistirem em projectos que consomem milhões em fundo perdido?
Era esta a mensagem que o Estado, as Universidades, as Organizações representativas Empresariais, os Bancos e as grandes Corporações deveriam ser todos obrigados a passar como estratégia de compromisso nacional - precisamos de milhares de PME de excelência, mesmo em sectores tradicionais e maduros, com projectos consistentes e lideres indiscutíveis e aceites a geri-las.
Precisamos de tirar o máximo proveito das nossas inigualáveis e irrepetíveis qualidades como povo e maximizar as condições conjunturais que nos sejam oferecidas, a todos os níveis, no pressuposto que o nosso «destino» nunca será sermos descobertos por um qualquer agente de talentos, porque não somos, de facto e na generalidade, nem génios, nem ricos nem sortudos - precisamos todos de trabalhar imenso para vingar na vida.
É perigosíssimo e desastroso fazer passar permanentemente para os nossos jovens candidatos a empreendedores a mensagem que a imagem de uma cara bonita (também há empresas que criaram uma cara laroca), com padrinhos conhecidos e endinheirados e uma agenda de bons contactos «no meio» (seja isso lá o que for ...) chega para criar um projecto sustentável - no fundo, ao fazê-lo, só estamos a manter o tal mundo de faz-de-conta, feito de aparências e ilusões.
Autor: M. J. Carvalho

2007-02-16
Fonte: Vida Económica, 16.Fev.07

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Manuel Guilherme de Almeida

Mestre alfaiate português, nasceu em 1898 e faleceu em 1992. Foi criado em sua honra o "Dia do Alfaiate" no último domingo de Maio. Foi professor de corte, tendo desenvolvido um método próprio, explorado no livro Método de Corte Sistema Maguidal (1948), que escreveu para alfaiates. Além disso, publicou até 1951 o álbum de figurinos Moda Actual e, até 1985, a revista de técnica e moda Vestir. Ocupou os mais elevados cargos na Associação Fraternal da Classe dos Alfaiates de Lisboa e fundou a Academia de Corte, por onde passaram mais de 4 000 alfaiates, e as Casas de Repouso do Alfaiate de Portugal. Foi agraciado com a Comenda da Ordem de Mérito Industrial pelo presidente da República Mário Soares. Participou em vários congressos internacionais de Alfaiataria, sendo agraciado com a medalha de prata por altos serviços em Roma, no ano de 1983. Trabalhou até 1989.

In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2007.

O imposto do mestre-alfaiate



Resfastelados num banco do jardim da vila, onde o povo lavava no rio, sob a copa acolhedora de uma acácia, era ali que os reformados passavam as suas “férias” de verão, a contar as histórias das suas vidas, que davam vários romances, já que a morte era certa.

Cada qual à sua maneira capava as horas sonolentas das tardes esquecidas: uns viviam das suas recordações – “ai, no meu tempo…” – outros liam o jornal com os óculos graduados a servirem de lupa, à cata da notícia tão esperada, mas que teimava em não aparecer à luz do dia: o aumento das suas miseráveis pensões sociais. O João Marinho com o cigarro – o seu amigo certo das horas incertas – ao canto dos beiços gretados, entretinha-se a deitar milho às pombas vadias, isto é, sem eira nem beira.

Com o cigarro ao canto dos beiços gretados, entretinha-se a deitar milho às pombas vadias

Num dia de estranha moleza, cheguei à fala com o João Marinho. Prisioneiro do seu pequeno mundo, no estádio da terceira idade, ele, que foi o mais conhecido mestre-alfaiate da vila, que fazia em exclusivo os fatos da moda aos “senhores doutores”, há muito tempo que via arrecadada a sua velha máquina de costura, da marca “Singer”, e tinha posto de parte a tesoura, a almofada das agulhas, o pau de giz, a régua de madeira, o ferro de engomar e a fita de pano, que foram as suas ferramentas de trabalho ao longo dos anos desde que o botaram fora da escola primária. Estudar não era com ele. Gastava o tempo a mandriar e a jogar à bola de farrapos, no terreiro da vila.

Mas, sentindo-se ainda com “sangue na guelra” (velhos eram os trapos e parar seria morrer sem hora nem glória), o João Marinho, a fim de ganhar para a bucha” – e para o golinho de vinho que o mantinha em pé, como ele dizia –, entretinha-se em casa a fazer uns biscatezinhos… E comentava com o seu humor corrosivo: - “Ah, se a vista não me enganasse e os dedos me ajudassem, ainda ganhava um dinheirão a virar casacas. E podia até amealhar uns cobres, para dar o grande passeio da minha vida: como eu gostava de conhecer Lisboa! Mas, por este andar e como vejo as coisas pretas, o meu sonho vai comigo no caixão, para a cova do cemitério municipal”.

O João Marinho cumpriu, cabalmente, as suas obrigações fiscais, nada devendo à fazenda nacional

Só que o mestre-alfaiate João Marinho não teve sorte na vida; mas também nunca pensou no futuro! Vendo-se sozinho no mundo, não tendo mulher nem filhos para lhes prestar contas, sempre fez como o brasileiro: “Gozar hoje a vida, senão amanhã pode ser tarde de mais”.

Contudo, o João Marinho cumpriu, cabalmente, as suas obrigações fiscais, nada devendo à fazenda nacional. Ele lembrava-se que, no dia nove de Setembro de 1969, pagou à boca do cofre da tesouraria municipal, o seu “imposto de prestação de trabalho”, no valor de 31$00. Nas costas do primeiro aviso, lia-se esta advertência: - “Depois desta data pode efectuar o pagamento durante mais sessenta dias, período das operações preliminares do relaxe, acrescido dos juros de mora, findo os quais se procede ao relaxe”.

Mas, naquela tarde outonal adormecida no colo dos deuses, quando cheguei ao pé do banco do jardim sem flores, como o céu sem estrelas, sofri um choque emocional: Não vi o João Marinho, nem as pombas vadias. Perguntei por ele a um “almeida” camarário, que apanhava as folhas mortas tombadas das árvores pelo vento de suão. Com a vassoura em suspenso e tirando o boné com pala, respondeu-me com o olhar marejado: - “Esse, coitado, já não faz parte dos vivos. Foi a enterrar a semana passada com grande acompanhamento, porque era um bom homem”.

Pobre mestre-alfaiate, que morreu à margem do estado-providência

Nada pude fazer. Apenas curvei-me como sinal de respeito por uma vida que se extinguiu, à sua memória. O João Marinho era credor do erário público, dos anos que pagou o seu “imposto da prestação de trabalho”, enquanto os funcionários públicos e os militares dele estavam isentos.

Pobre mestre-alfaiate, que morreu à margem do estado-providência.


Antonino Cacho
Arcos de Valdevez


O Mestre Alfaiate

Carlos Alberto Gaspar Santos, natural de Valesim, Seia, “filho da Serra da Estrela” como se intitula, está estabelecido em Lisboa há 37 anos, como alfaiate. No entanto, antes de se tornar alfaiate, tentou ser cozinheiro, ainda na sua terra natal, ofício do qual não gostou. Só então o seu pai o “convenceu” à arte, de que hoje tem muito orgulho. Começou aos 14 anos, quando veio para Lisboa.

Só após o primeiro ano de trabalho começou então a ganhar o primeiro ordenado: 15 tostões por dia. E se, nessa altura, a sua clientela era “certa”, normalmente pessoas do bairro e despachantes da Alfandega, hoje em dia, para além de cada vez ser mais escassa, são clientes de passagem, ocasionais. Se uns acham demasiado caro um fato feito num alfaiate, outros apercebem-se que a grande diferença entre estes e os de pronto-a-vestir: na qualidade dos materiais, da forma como são cozidos, pregados os botões ou quando têm que recorrer ao alfaiate para “emendar” os fatos comprados nas lojas. Um fato feito por medida podia custar entre 65 e 80 mil escudos, mas pode durar uma vida...
Uma história engraçada, vivida por Carlos Santos, foi quando um pai e quatro filhos lhe encomendaram uns fatos para irem a um casamento. A mesma fazenda deu para fazer os cinco fatos. “ O pai era tão gordo, que quando veio fazer as primeiras provas do seu fato, levantou de tal maneira os braços - é que a sala de provas era muito apertada! - que se a fazenda não fosse de qualidade tinha-se rasgado toda. Com os fatos, como quiseram todos iguais, pareciam os rapazes da banda do casamento!”, conta, divertido.Os instrumentos que utiliza são muitos e vão desde o dedal, a agulha, vários tipos de tesouras, giz para marcar a fazenda, fita métrica, secador, ferro a vapor, almofada inglesa (que serve especificamente para passar os ombros dos casacos), uma chonga (tábua própria para dar forma aos casacos) pregadeiras, botões, um jogo de réguas: uma para a traseira e a frente das calças, outra curva para os ombros e um esquadro curvo para a linha das calças.Era importante, e ainda o é, acompanhar as modas e os diferentes estilos, tais como as bocas – de - sino (ou pata de elefante) estilo argentino, embora seja o smoking clássico que mais lhe costumam encomendar, pois é um estilo que fica sempre bem.Quanto ao futuro, e embora já tenha tido seis mulheres a trabalhar para ele, antes do 25 de Abril, a tendência é para que a tradição do alfaiate venha a acabar. Como ele próprio diz: “actualmente o que conta é o dinheiro; já não tenho ninguém aqui a aprender porque as pessoas já chegam aqui a quererem saber quanto é que vão ganhar em vez de quererem primeiro aprender a fazer bem um fato. Assim, o tempo que perco a lhes ensinar e o salário que lhes tenho que pagar, é melhor ser eu aqui só com a minha ajudante.”Só na Baixa, os alfaiates eram às dezenas, e resiste uma casa de referência, a Nunes Correia, na esquina da Rua de Stª Justa com a Rua Augusta, fundada no final do secº XIX, e que teve a primeira máquina de costura Singer, que foi ali estabelecer-se ido da Rua dos Algibebes – o oficio que antecedeu o alfaiate - hoje Rua de S. Julião.Sobrevive, hoje, o herói, o resistente, que nos seus 70 e muitos anos, ainda não pôs o dístico para trespasse à porta, o nº160 da rua dos Remédios, sempre esperando por mais uma encomenda, um fato que alguém prefira feito do que o massificado pronto-a-vestir. Cumprimenta quase toda a gente que lhe passa à porta e toda a gente o cumprimenta. Não é para menos: a sua jovialidade fica bem na figura elegante, de colete bem talhado, beirão de olho claro e olhar penetrante, que acarinha a sua terra e recorda as romarias, o ribeiro e os moinhos de água, e onde vai amiúde.Mas se estima o local onde trabalha, Alfama, também estima o seu “clube de colegas”, a Associação dos Alfaiates e a respectiva casa de repouso em Sintra. O dia do alfaiate é o ultimo domingo de Maio e o seu patrono é Homem Santo Bom. Ora entra o vizinho que vem assobiar para o canário do Sr. Carlos, ora a senhora que vem dar um recado para uma outra vizinha, e o sr. alfaiate é mais do que isso, é uma referência, uma simpatia para todos, é alguém dali. E chega aos jornais e revistas nacionais, a livros.O cosmopolitismo de Carlos Santos chega à Alemanha, Grã-Bretanha, donde vêm fotografá-lo, filmá-lo, entrevistá-lo. Mas pode-se lá ter melhor pré-reforma do que falar da sua vida e ficar memorizado nos quatro cantos da Europa? O Sr. Carlos dá-me uma da sua sabedoria, que não vou esquecê-lo, bem-haja por isso: “Eu continuo a fazer o que fazia quando tinha 20 anos: então fazia o que podia, agora faço o que posso!” E esta, hem?!

Guilherme Pereira [texto e fotos]
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sexta-feira, 5 de outubro de 2007

A casinha do Alfaiate

In olhares.aeiou.pt

Vestuário na Idade Média

A Idade Média começou com a queda do Império Romano do Ocidente, no fim do século V, e durou até o século XV. Durante a Idade Média, a Europa ocidental se desenvolveu independentemente do chamado Império Romano do Oriente, ou Bizantino. O Império Bizantino: as classes dominante vestiam túnicas e mantos enfeitados. Alguns tecidos eram feitos com fios de ouro e certas roupas eram enfeitadas com pedras preciosas e pérolas. Os pobres vestiam túnicas simples e blusas. A Europa Ocidental: no início da Idade Média, os celtas da Galiléia e da Bretanha adoptaram a túnica romana. Depois, a moda bizantina começou a influir cada vez mais no vestuário da Europa ocidental. As classes dominantes começaram a usar roupas mais ornamentadas. No início as roupas eram feiras em casa. As famílias criavam ovelhas e cultivavam o linho. Quando as cidades começaram a crescer, surgiram lojas especializadas, dirigidas por tecelões, alfaiates, remendões e outros artesãos que faziam roupas.
No século XII, esses artesãos se organizaram em corporações chamadas guildas. Mais tarde, as túnicas soltas começaram a ser substituídas por roupas ajustadas ao corpo. As mulheres começaram a usar vestidos compridos, e justos no busto. Os homens vestiam calções soltos debaixo da túnica, além de vários tipos de coberturas para as pernas. Nos séculos XII e XIII, as mulheres punham redes nos cabelos, usavam véus e panos para cobrir o pescoço, como algumas ordens de religiosas usam até hoje. Os homens usavam na cabeça capuzes com pontas compridas. Tanto homens quanto mulheres vestiam uma sobreveste copiada dos trajes dos cruzados. Durante o século XIV, as roupas das classes dominantes ganharam muitos enfeites e acessórios, como botões e cintos ornamentados com pedrarias. Os tecidos variavam de acordo com a classe social. Os muito ricos vestiam seda e enfeitavam suas roupas com peles valiosas. A maioria das pessoas vestiam roupas de lã e linho. Já as pessoas mais humildes vestiam-se com roupas feitas de pele de cabra carneiro ou lobo.

VESTUÁRIO NOS SÉCULOS XIV e XVI
O renascimento começou na Itália por volta do século XIV e se espalhou pela Europa durante os séculos XV e XVI. As cidades se desenvolveram e enriqueceram. O número de artesãos e comerciantes aumentou rapidamente. Houve a queda do Império Bizantino, e a Europa ocidental passou à liderança da moda. O vestuário foi-se complicando cada vez mais. As mulheres usavam chapéus cónicos e altos chamados hennins. Alguns tinham véu. Os homens usavam meias compridas que se foram transformando em calças justas. Usavam muitos tipos de chapéus, inclusive um turbante drapeado chamado chaperon. Também calçavam sapatos pontudos chamados poulaines. Em alguns, as pontas tinham mais de 15cm. No início do século XVI, os homens vestiam-se com muitas roupas sobrepostas, algumas delas com um enchimento pesado. Usavam camisas de linho, sobre as quais vestiam um casaco justo chamado gibão. Sobre o gibão usavam uma jaqueta, prolongada em uma saia que descia até o quadril. Uma capa sobre o joelho, com mangas largas, vinha sobre a jaqueta. Os homens também usavam calções curtos e brilhantes, costurados a meias justas. As roupas femininas eram cortadas e costuradas para ficarem justas acima da cintura. Durante a primeira metade do século XVI, as mulheres usaram vestidos com decotes quadrados e baixos, e saias rodadas sobre anáguas. Os trajes masculinos e femininos tinham fendas para mostrar a vestimenta de baixo. No fim do século XVI, a moda formal e rígida da Espanha espalhou-se pela Europa. Os homens vestiam calções justos até os joelhos. O gibão modificou-se, ganhando uma saliência em ponta sobre o ventre. As saias rodadas das mulheres eram armadas com crinolinas rígidas. Algumas crinolinas tinham armações de madeira, arame ou barbana. Homens e mulheres usavam golas de pregas engomadas chamadas rufos.

VESTUÁRIO NO SÉCULO XVII
A França assumiu a liderança da moda. Os homens substituíram seus gibões por coletes, usados sob casacos que desciam até os joelhos. A moda dos calções variou : eram ora largos, ora justos até os joelhos. As mulheres começaram a usar anáguas no lugar das crinolinas, e também mangas três-quartos. Essa última transformação desnudava pela primeira vez o braço das mulheres, desde a queda do Império Romano, mais de mil anos antes. As mulheres também passaram a usar na cabeça um enfeite alto chamado fontange. Os homens geralmente calçavam botas. Os chapéus eram vistosos e enfeitados com plumas, usados sobre cabelos compridos. Homens e mulheres calçavam sapatos de salto alto. Peitilhos de renda e linho substituíram os rufos engomados. No fim do século os peitilhos deram lugar a gravatas de renda, de laço frouxo, chamadas jabôs. As cabeças dos homens forma cobertas por enormes perucas encaracoladas, que se tornaram moda depois de 1660.

VESTUÁRIO NO SÉCULO XVII
Os últimos vinte anos do século XVII anteciparam o que seria a moda do século seguinte, dominado pelo grande prestígio da corte de Versalhes. Na indumentária masculina, a peruca teve grande importância até a revolução francesa. Havia vários tipos delas, entre as quais a dos soldados, leve e presa com laços na nuca. Ao longo do século, esse adorno foi reduzido até ficar limitado a alguns encaracolados do lado do rosto e a uma trança. Com Luís XV, os trajes femininos tornaram-se mais soltos e vaporosos; os vestidos tinham pregas nas costas que caíam até o chão. O merinaque foi utilizado para dar volume ao traje feminino, cuja forma variava consideravelmente. Os componentes básicos eram corpetes e saias, eventualmente abertas na parte dianteira, deixando entrever as anáguas, ricamente decoradas. O corpete podia também ser aberto, mostrando uma peça de tecido bordada, com laços e rendas. As mangas chegavam até o cotovelo, muitas vezes arrematadas com enfeites. O traje masculino conservou por várias décadas a estrutura do século anterior. A casaca tornou-se mais comprida e com mais aberturas e as mangas se estreitaram. Sob a casaca, vestia-se um colete bordado, confeccionado em tecido diferente. Os calções chegavam até os joelhos e o traje se completava com um chapéu de três bicos. A influência britânica trouxe um tipo de traje masculino mais leve e informal. A simplificação do vestuário evidenciou o gosto neoclássico.

VESTUÁRIO NO SÉCULO XIX
Os complicados penteados, as perucas empoadas e os chapéus da época de Luís XVI e de Maria Antonieta foram abolidos com a revolução francesa. A burguesia impôs sua moda. Os homens adoptaram o estilo dos trajes de campo ingleses - com chapéu alto, lenço no pescoço jaqueta com lapelas, colete, calções e botas - e eliminaram as casacas bordadas, as rendas e as meias, a partir de então restritas aos chamados incoyables franceses da década de 1790, iniciadores do estilo romântico. As mulheres buscaram a leveza em vestidos de cintura muito alta, que caíam rectos até os pés. Esse estilo foi chamado "império". Nos primeiros anos do século XIX, surgiram publicações impressas ilustradas com vestuário. A expedição de Napoleão ao Egito trouxe nova moda orientalista para a França, enquanto o Reino Unido, principal rival dos franceses, procurava a máxima diferenciação de costumes. Ao restabelecerem-se as relações amistosas entre os dois países, as mulheres britânicas adoraram a moda francesa e por sua vez, os homens franceses se decidiram pelo estilo britânico, em geral muito bem acabado, devido à alta qualidade do trabalho dos alfaiates do Reino Unido. Os dândis ingleses inspiraram a moda européia, com um vestuário bem cortado, ajustado ao corpo. O traje feminino exigia o uso de espartilho para afinar a cintura, com saias e mangas muito largas. As mulheres cobriam a cabeça com toucas ou capotas amarradas com laços, e levavam uma pequena bolsa e um guarda-sol. A partir de 1837, as rodas exageradas das saias se reduziram e o traje masculino eliminou os excessos a que havia chagado o modelo dândi. O fraque tornou-se muito usado, assim como o redingote ou o casaco, mais curto. As camisas tornaram-se mais lisas, e as gravatas, mais finas. Popularizaram-se a calça, o chapéu de copa e grande variedade de casacos (chesterfield, paletó). A roupa masculina, mais sóbria e menos colorida, começava a tomar a forma que conserva até a atualidade. Em meados de século, o traje feminino aumentou de volume graças a inúmeras anáguas que, por seu peso, dificultava a movimentação. Data dessa época a invenção da crinolina, armação à base de anéis metálicos flexíveis que substituíam com vantagem as anáguas. A crinolina logo deslocou-se para trás e se tornou mais leve, o que deu origem a um levantamento na parte traseira da roupa por meio das anguinhas, que mais tarde desapareciam, substituídas por um simples pregueado de tecido e uma calça longa. Os desportos também exerceram influência sobre o desenho das roupas, que se adaptaram às necessidades de cada modalidade. Assim, os trajes para andar de bicicleta, para o tênis ou para o banho inspiraram a moda quotidiana para homens e mulheres.

Marília Nascimento Espíndola, Maio de 1999
trabalho orientado pela professora Miriam Jaqueline Instituo Educacional CVE

sábado, 29 de setembro de 2007

A Costureira



Confeccionar roupa requer uma mão especializada e conhecimentos próprios. Para este trabalho existiam no concelho da Guarda alguns alfaiates e costureiras. As fases deste trabalho, iniciavam-se pelo risco do molde da peça a executar no tecido, de seguida, cortavam pelo risco traçado, cosiam as peças, efectuava-se a primeira prova para se fazerem algumas correcções e, depois, era o remate final. Antigamente, os tecidos usados para a confecção das roupas interiores de mulher eram a opalina, linhagem e riscados bonitos. Para as dos homens usavam o riscado de Vizela, popelina, flanela e pano entrançado.
Na confecção de roupas exteriores usava-se, então, no vestuário feminino, a fazenda de merino, chita, crepes, trevira e costeleta. Na roupa masculina, usava-se estambre, saragoça, cotim, caqui, mescla e pana.
As costureiras e alfaiates ocupavam-se somente em fazer peças de vestuário novas. As donas de casa tinham a seu cargo pequenos consertos tais como: colocar joelheiras e cuadas nas calças, lugar onde elas mais se rompiam, remendar os rasgões nas outras roupas, mudar o colarinho das camisas e demais tarefas que, ao soalheiro, iam executando com a cestinha da costura ao lado, enquanto conversavam com as vizinhas.
Para a execução destas peças de roupa as costureiras e os alfaiates serviam-se frequentemente de lã ou algodão.
As costureiras, para além de trabalharem em sua casa, iam também a casa dos fregueses, a costurar alguns trabalhos.
Tempos houve, que nas aldeias onde existisse uma festa, de santo, de casamento ou baptizado era uma azáfama de provas em casa do alfaiate e da costureira.
Ainda não havia o pronto-a-vestir.
Cada cliente tinha o seu atendimento personalizado, único em tamanho e modelos exclusivos.

In eb23-sta-clara-guarda.rcts.pt

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Através dos tempos

Os alfaiates, responsáveis pela confecção da indumentária, eram mestres especializados e tidos em grande consideração. A necessária habilidade exigida a estes oficiais sujeitava-os a um rigoroso exame, sem o qual não lhes seria passada a carteira profissional. Teriam que saber talhar, cortar e executar qualquer peça. Desde talhar veludo cinzelado a duas alturas ao veludo lavrado à navalha, no mais simples dos bordados da espécie. Os cetins constituíam outro dos tecidos com que teriam que saber trabalhar, tal como respeitar as regulamentações em uso para o corte da seda. Saber costurar a consistência dos forros e chumaços, não usar fios de má qualidade, etc. Ainda a estes oficiais era exigido que soubessem as quantidades de pano necessárias a cada peça (1)

Os alfaiates, em geral, executavam pelotes de qualquer feitio, capas de capelo, gibões enchumaçados a dois forros e golpeados, capas e mantos. Para as senhoras, talhavam e cortavam tecidos de qualquer feição. As fraldilhas costuravam-se com vantagem na traseira, os saios e sainhos a dois debruns com mangas e as cotas de forma prática, para andar a cavalo. Aos alfaiates era proibido tingir os tecidos cinzentos ou brancos com tintas azuis e pretas. Não se podiam vender ou voltar a costurar peças de vestuário velho, ou coser, cortar, bordar ou vincar qualquer tecido antes de ser vendido. Qualquer uma destas opções poderia ser sugerida pelo alfaiate, mas a indicação final do cliente solucionava a versão final. Na segunda metade do século XVI, um alfaiate ganhava o salário de vinte e cinco reais por dia, com a obrigação de confeccionar, por exemplo, sete gibões em quatro dias.

Para além dos alfaiates que executavam qualquer peça de vestuário em geral, existiam os oficiais especializados. A designação que os definia ligava-se à indumentária da especialidade. Surgem-nos, assim, os jubeteiros, ligados à confecção de gibões, os calceteiros para a confecção de calças e calções e os sombrereiros ligados ao fabrico de chapéus.

Os jubeteiros talhavam os gibões e costuravam-nos com dois forros enchumaçados podendo usar para o efeito algodão e nunca lã velha. Os gibões não podiam ser vendidos em panos manchados, marcados ou picados.

Os calceteiros deveriam saber cortar qualquer par de calças ou calções com talhe justo. As calças imperiais, confeccionadas com muito pano, deveriam respeitar as limitações do seu uso, sob pena de multa. Para o povo, não podiam executar calças largas ou sequer com forros. As braguilhas das calças e calções eram forradas a algodão ou pano bom, sem ser o da Índia.

Os sombrereiros, responsáveis pelo fabrico de chapéus, faziam um sombreiro de qualquer lã, fino ou grosseiro, preto, cinzento ou branco.

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(1) "Regimento dos Alfaiates, jubeteiros, calceteiros e aljabebes" in Livro dos Regimentos dos oficiais mecânicos da mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa (1572), pref. Dr Vergílio Correia, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1926, pp.242-245.

In trajes.no.sapo.pt

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Capela dos Alfaiates



São Bom Homem e Nossa Senhora de Agosto foram os padroeiros e protectores da Confraria dos Alfaiates e a imagem da primeira era, no início do século XVI, venerada no primeiro andar de uma casa junto à Sé cujo piso térreo servia de celeiro do Cabido. Em 1554, porém, iniciou-se a construção de uma nova capela frente à fachada principal da Sé, em edifício cedido à Confraria pelo bispo D. Rodrigo Pinheiro. Onze anos depois, em 1565, só às paredes tinham sido levantadas e, com o empenho do prelado, o mestre pedreiro Manuel Luís contratou com a Irmandade a conclusão do templo.

A capela, de planta rectangular, abre para o exterior por um portal ladeado por duas colunas coríntias caneladas asssentes em pedestrais, e rematado por um nicho com decoração flamenga, desenhado por Manuel Luís, em que se abriga uma imagem de barro de Nossa Senhora de Agosto. No interior do templo, iluminado pelo grande janelão rasgado na fachada, a abóbada elevada sobre o espaço quadrado da nave é de cruzaria tardo-gótica, mas mostra já motivos ornamentais maneiristas. Um arco cruzeiro de volta-redonda, assente em pilastras jónicas, separa a nave da capela-mor, e esta é coberta por uma pequena abóbada de canhão, com dois tramos formados por caixotões de granito que arrancam de mísulas clássicas. Este conjunto, projectado e executado por Manuel Luís, é da maior importância na arquitectura do Norte do País, pois marca a transição do tardo-gótico para as novas formulações maneiristas de inspiração flamenga.

O retábulo da capela-mor, também maneirista, divide-se em oito painéis que representam cenas da vida da Virgem e, iconograficamente, respeitam as prescrições do Concílio de Trento divulgadas em Portugal, sobretudo a partir de 1580, através das Constituições Sinodais. As pinturas são atribuídas, entre outros, a Francisco Correia, tendo sido executadas provavelmente entre 1590 e 1600. Ao centro, a bela imagem calcária de Nossa Senhora de Agosto, mais antiga, mostra influências da imaginária norte-europeia. A imagem em madeira de S. Bom Homem (século XVII), padroeiro dos Alfaiates, está colocada à direita do Altar-Mor.

A capela teve, em 1853, obras de beneficiação promovidas pela Associação dos Alfaiates e, em 1935, devido às obras de demolição programadas para a abertura do terreiro da Sé, foi expropriada pela Câmara. Em 1953 foi reedificada na sua actual implantação e pela mesma época foram restaurados os painéis pelo pintor Abel de Moura. É Monumento Nacional desde 1927.

Ângulo das Ruas do Sol e S. Luís
Porto

Câmara Municipal do Porto

Alfaiates resistem à moda do pronto-a-vestir



Quatro a cinco mestres de alfaiataria, dois em actividade regular, tentam resistir, em Viseu, à crise ditada pela moda do pronto-a-vestir. Uma moda que ganhou novo fôlego a partir da década de 70 e que, aos poucos, vai obrigando muitos a fechar as portas por falta de clientela. O encontro de convívio que hoje se realiza na cidade, com a presença de algumas dezenas de profissionais do sector, pretende alertar para a necessidade de incentivar os jovens a abraçarem uma profissão em risco de extinção.

"O Governo tem de aproveitar os artistas ainda no activo para incutir nos jovens o gosto por esta actividade. Uma tarefa que terá de passar pela atribuição de incentivos financeiros que viabilizem a planificação de acções de formação", sugere Avelino Ferreira, um dos alfaiates da cidade, que promete resistir enquanto as forças não o abandonarem.

Natural de Vale de Cambra, no distrito de Aveiro, Avelino Ferreira, 63 anos, passou quase toda a sua vida, entre Portugal e Luanda (Angola), a confeccionar fatos por medida. Alturas houve, em anos recuados, que chegou a produzir dez por mês. "Agora se fizer 20 por ano já é uma boa média", diz com tristeza.

300 euros por fato

Apesar da crise que afecta o sector, Avelino Ferreira consegue ver uma luz ao "fundo do túnel". "Tenho um filho, licenciado em Gestão de Empresas, que decidiu pôr o canudo de lado e abraçar esta belíssima profissão. Está em Londres a fazer formação", partilha com visível orgulho.

A exemplo de outros colegas, Avelino Ferreira acredita que os alfaiates ainda têm futuro. "Os fatos feitos à medida terão sempre mercado", garante o empresário, que elenca três segmentos de clientes fiéis as pessoas que exigem qualidade no talho, na confecção, nos tecidos e acessórios; os que têm dificuldade em encontrar no pronto a vestir fatos que lhes fiquem bem; e os portadores de alguma deficiência.

Um fato feito à medida podia custar, há algumas décadas, 300 escudos. "Hoje aquele dinheiro daria para comprar um botão. Um fato razoável não custa menos de 300 euros. E se o tecido for de muita qualidade pode ir aos mil euros e mais", declara Avelino Ferreira.


Teresa Cardoso

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Alfaiataria em Portugal

Em tão breves referências seria um dislate pretender fazer a história da Alfaiataria em Portugal. Estamos perante uma profissão que se confunde com a história do próprio país. Perante este enorme desafio, limitamo-nos a fazer um percurso por alguns dos momentos que julgamos mais significativos de uma história de oito séculos.
O nome como é sabido, varia de língua para língua, reflectindo persistências locais nesta arte. Conhecidos em França por “Tailleur”, em Itália por “Sarto”, em Espanha por “Sastre” (do latim Sartor, Sarcire, coser), em Portugal revelam a sua ligação ao mundo árabe, ao adoptarem um nome derivado da palavra árabe Al-Kaiat ou Al--Kaiiat, do verbo Khata que significa coser. Independentemente da designação, os alfaiates tinham desde a antiguidade clássica o exclusivo do corte e costura das diversas peças de roupa, tanto masculinas, como femininas. Privilégio que manterão até ao século XVII.
A mais antiga referência conhecida entre nós sobre este ofício data do século XII, quando Portugal se tornou um Estado independente. O nome curiosamente está ainda associado à localidade de “Alfaiates”, na Beira Baixa, onde se desenvolveu uma forma de organização administrativa que o historiador José Mattoso, afirma estar na base do nosso municipalismo medieval. Poucas actividades podem também orgulhar-se de poderem apontar já em 1256, um nome concreto de alguém que exercia um ofício mecânico, trata-se neste caso de “Petrus Petri Alfayate” que residia em Portel.
Nas escolas qualquer aluno já se confrontou com história de um alfaiate, embora nem sempre o saiba identificar como tal. Trata-se de Fernan Vasquez, aquele que o cronista Fernão Lopes, afirma ter estado à frente de 3.000 mesteirais de todos os ofícios, besteiros e homens de pé, em 1371, num protesto junto de D. Fernando contra o seu casamento com Leonor de Teles. O acto custou-lhe a vida, mas a história mostrou a visão da sua atitude.
Outro dos acontecimentos marcantes foi a intervenção dos seus representantes na Casa do Vinte e Quatro, em Lisboa, desde a fundação, em 1384 até ao seu encerramento no século XIX. Descrevê-la ainda que sumariamente requeria várias páginas. Mas tal não é possível. Fica pois a referência ao facto. Nesta cidade, temos contudo que assinalar a sua padroeira, Nossa Senhora das Candeias e a capela privativa que possuíam na Igreja de S. Julião. No século XV constituíram um hospital próprio, que veio depois a ser integrado, em 1501, no célebre Hospital de Todos-os-Santos. No Porto, para só citarmos esta cidade, os alfaiates surgem organizados em torno da Confraria de Nossa Senhora de Agosto ou da Assunção e de S. Bom Homem de Verona, em frente da Sé, pelo menos desde 1554.
Em tempos de abertura de Portugal ao mundo, vários são os alfaiates de renome que por cá trabalharam, como o mestre Latam, alfaiate de D. Afonso V, ou Abraão Abet que serviu D. João II.
A grande afirmação pública dos alfaiates, à semelhança de outras profissões, mediu-se durante séculos pela sua sua participação na conhecida procissão do “Corpus Christi”. Mais uma vez, qualquer referência histórica torna-se insignificante quanto falamos dos alfaiates. Queira pois o leitor ler o quadro iningualável que deles fez o historiador-romancista Alexandre Herculano na sua obra O Bobo.
Neste época brilhante da nossa literatura, tem-se avolumado as provas de que Gil Vicente, mestre de ourivesaria e da dramaturgia, terá sido também iniciado na arte da alfaiataria. As suas obras revelam conhecimentos que ultrapassam em muito o contacto superficial com uma arte então cheia de segredos técnicos.
Em pleno século XVI, a afirmação desta arte acompanhou naturalmente o luxo e a personalização do vestuário por toda a Europa. Fenómeno que se traduziu na especialização de certas actividades especializadas, como os jubeteiros ou algibebes, calceteiros, camiseiros e outros. Mas igualmente por uma regulamentação que desde a aprendizagem do ofício à fiscalização das oficinas, procurava garantir a qualidade do vestuário, assim como proteger os compradores (Livro de Registos dos Ofícios Mecânicos, compilado em 1562, por Duarte Nunes Leão para a Câmara de Lisboa, e confirmado em 1752).
Observando iluminuras desde o século XIV, nas quais aparecem representadas lojas-oficinas de alfaiates, o que desde logo ressalta é a simplicidade dos instrumentos de trabalho: tesouras, réguas, compassos e pouco mais. Esta aparente simplicidade esconde alguns requisitos que os alfaiates tinham que possuir: conhecimentos de geometria, aritmética e das proporções do corpo humano. Daí o longuíssimo período de aprendizagem necessário para o exercício da arte. Os grandes avanços técnicos, nomeadamente nas técnicas de corte, começam por volta de 1550, quando Moroni pinta “ O Alfaiate” (1550), e tem o seu apogeu aquando da publicação, em Madrid, do primeiro livro sobre as técnicas de alfaiataria, o “Livro de Geometria y Traça”, de Juan de Alcega (1589). A extraordinária variedade das formas de vestuário, impoêm um desenvolvimento técnico incomparável.
Como o país, o século XVII é marcado pelos conflitos. No princípio do século, só em Lisboa, contavam-se 119 lojas de algibebes, vendendo roupa já feita. A oposição dos alfaiates a estas vendas, leva a que em em Lisboa, no ano de 1678, estas lojas tenham sido encerradas, mas não tardam a reabrir. O conflito, sob formas diversas vai-se arrasta-se durante séculos até ao predomínio do pronto-a-vestir, e à transformação do vestuário por medida numa arte para grupos específicos de clientes.
Em França, em 1675, ocorre um acontecimento decisivo para a evolução futura da profissão. As modistas ( do francês Modiste, derivado de Mode), a quem já tinha sido concedido o privilégio de fabricarem a roupa interior feminina, obtém o direito de produzirem todo o tipo de vestuário feminino e de terem um corporação própria. Este exemplo acaba por se difundir por toda a Europa, pondo fim ao secular exclusivo dos homens na produção do vestuário.
O século XVIII costuma ser apresentado como a época de ouro da alfaiataria. Muitos dos símbolos do poder passavam então por um vestuário de aparato, e este dependia em grande medida da arte e da técnica de cada mestres alfaiates.
Sob o impulso da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, caminhou-se inexoravelmente para a liberdade no exercício do trabalho. Apenas em 1817, os alfaiates, entre nós, conseguem que lhes seja permitido adquirirem os tecidos para o exercício do seu ofício. Quatro anos depois da extinção das corporações, Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1838, publica um dos primeiros estudos para a criação de novas organizações profissionais, intitulado “Projecto de Associação para o Socorro de Capitalistas, Mestres e Aprendizes do Ofício de Alfaiate”. Passados alguns anos anos, em 1853, é constituída na cidade do Porto, a Associação dos Alfaiates desta cidade e a primeira a abandonar os princípios corporativos que remontavam à Idade Média. Em Setembro deste ano, é criada em Lisboa, a Associação dos Alfaiates Lisbonenses. Estavam encontradas as novas organizações profissionais juntando mestres e aprendizes, proprietários e trabalhadores.
Apesar das características inter-classicistas destas associações e das tradicionais tendências individualistas dos seus membros, tal não impediu a participação dos alfaiates nos acontecimentos e nas organizações mais importantes do movimento operário do século XIX, como o Congresso Social de Lisboa em 1865, na Secção Portuguesa da Associação Internacional do Trabalhadores, onde pontificava de Antero de Quental, ou na Fraternidade Operário de José Fontana. No final do século, como já havia acontecido em toda a Europa, estas associações dividiram-se em função do estatuto dos seus membros, tendo surgido então, por exemplo, a Associação Fraternal de Classes dos Alfaiates de Lisboa(1891), mais tarde denominada Associação Fraternal dos Operários Alfaiates (1906) e a Associação de Classe dos Oficiais de Alfaiates e Costureiras (1896).
Antes de prosseguirmos neste século repleto de acontecimentos, temos que referir dois importantes avanços técnicos. As tabelas de medida e o aparecimento das empresas de confecção, em consequência da invenção da máquina de costura.
Procurando um conhecimento mais exacto das medidas básicas do corpo humano, os alfaiates lançaram as bases da antropometria. Deve-se ao célebre alfaiate francês H. Guglielmo Compaign o estabelecimento das primeiras tabelas de medida e o princípio do escalado. A sua obra “A Arte da Alfaiataria”(1830) revolucionou as técnicas de corte em toda a Europa.
O aparecimento das primeiras empresas confecção não teve grandes reflexos em Portugal. Produzia-se um vestuário de muito má qualidade com tecidos ordinários. As máquinas de costura acabaram por lentamente por serem absorvidas pela próprias alfaiatarias, embora de forma muito controlada. A tradição continuou a ser o trabalho manual.
Na capital, Jacinto Nunes Correia funda a Casa que ainda hoje existe com o seu nome. Um caso revela só por si, o cuidado posto Nunes Correia no aperfeiçoamento da sua arte. A fim de melhor poder conhecer as proporções e características do corpo humano, frequenta no Colégio da Luz, aulas de anatomia da Escola Médica de Lisboa. Também todos os anos fazia uma viagem a Paris e Londres para actualizar os seus conhecimentos. No final do século, a Casa Nunes Correia, já sob a direcção do seu afilhado e continuador, Jacinto Augusto Marques, reunia a melhor clientela de Lisboa, incluindo a Rainha D. Amélia e os jovens principes. A participação e os prémios obtidos traduzem a projecção que esta Casa possuiu, tendo estado com grande êxito na Exposição Industrial de Lisboa (1866), e na Exposição Universal de Paris de 1900.
Na viragem do século XIX para o Século XX, a alfaiataria em Portugal conhece o seu período aureo. Alguns dos seus mestres adquirem renome internacional, para além do já citado Jacinto Augusto Marques, sobressaem mestres como o mestre Strauss, irmão do célebre compositor vienense, o mestre Keil, pai de Alfredo Keil autor da música do nosso hino, o mestre Manuel Amieiro, fundador da casa Amieiro e Adelino Teixeira, cujo nome se ligará à fase mais brilhante desta casa. A esta lista temos que acrescentar, por direito próprio, a Casa Neves & Osório, Casa José António Xafredo, Casa Ferrão, o Alfaiate Viana e para só citarmos as alfaiatarias de grande prestígio de Lisboa.
Durante a primeira República, reflectindo este pujante movimento, entre 1911 e 1917, na antiga Associação dos Operários Alfaiates de Lisboa, Virgílio Augusto da Silva Paulet Maia, inicia entre nós os primeiros cursos de corte. A aprendizagem começa a estruturar-se fora das oficinas de forma mais sistemática e de acordo com as exigências dos novos tempos. Mas as duras condições de vida dos trabalhadores do sector, acabam por conduzir a uma intensa agitação laboral entre 1919 e 1923. A crise do pós-guerra só em meados dos anos vinte foi ultrapassada.
Nos anos trinta, a alfaiataria parece conhecer um novo impulso. O momento simbólico da viragem, coincide com a estreia do filme “A Canção de Lisboa” (1933), onde a personagem principal é um alfaiate, interpretado pelo saudoso actor António Silva. Na sequência da publicação do Estatuto do Trabalho Nacional (1934), constituem-se os sindicatos nacionais de profissionais de alfaiataria e costura, para além de dois importantes grémios.
Em 1934, funda-se a Academia de Corte Maguidal, por Manuel Guilherme de Almeida e António Mendes Baptista, trata-se da primeira escola para alfaiates em Portugal. Tinha cursos de corte na sede, mas também os ministrava por correspondência, como então estava em voga. Cinco anos depois, a Academia inicia a publicação da revista “Vestir” (setembro de 1939) que para além de desenvolver um trabalho brilhante na divulgação de temas e informação dos profissionais do sector, registará uma longevidade digna de nota. Nesta década duas iniciativas devem ainda ser assinaladas. A fundação em 1935, no Porto, da “Cooperativa dos Industriais de Alfaiataria”, e em 1939 da “Academia Nacional de Corte” em Lisboa. Esta última não tarda a editar outra importante publicação, a revista “Técnicas de Alfaiataria”, sob a direcção de António Mendes Baptista.
Durante a segunda guerra mundial (1939-45), sobretudo na região de Lisboa, a alfaiataria sofre um certo incremento, devido sobretudo às encomendas dos numerosos exilados ou mesmo de refugiados em trânsito. Mas foi sol de pouca dura. Ainda durante a Guerra surge uma das iniciativas mais importantes de apoio mútuo da classe, a Casa de Repouso dos Alfaiates de Portugal, que pouco depois será uma realidade, devido aos esforços de homens, como o mestre Francisco A. Rosas..
Apesar da relativa prosperidade de muitas casas de alfaiataria, os ventos que sopravam de além fronteiras pronunciavam uma crise profunda nesta arte milenar. Muito poucos se deram conta do que se estava efectivamente a passar. Nos países mais industrializados, a penúria de mão de obra qualificada agravou-se como nunca. O desenvolvimento das técnicas de produção em série de vestuário, seguindo modelos e métodos oriundos dos Estados Unidos, surgem para muitos industriais como a única saída para suprir as carências de vária ordem. A industria de pronto-a-vestir desenvolve-se naturalmente neste contexto, melhorando igualmente a sua qualidade. O vestuário por medida perde a dimensão de uma arte para a maioria da população, para se circunscrever a uma clientela cada vez mais seleccionada, exigindo uma nova relação alfaiate-cliente.
Os alfaiates em Portugal começam lentamente a dar conta nas suas publicações das dificuldades que sentem para acompanhar as novas exigências do tempo. Um ponto era consensual: estavam há muito fechados sobre si próprios, sendo os contactos com o exterior muito reduzidos.
Como era previsível na década anterior, os anos sessenta são marcados por profundas transformações neste sector. A par do aumento da melhoria sensível do nível de vida da população, nos grandes centros urbanos, assistiu-se à difusão do pronto-a-vestir. Os gostos orientam-se agora para os produtos em série, o consumo de massas. Os congressos mundiais de mestres alfaiates discutem há muito a situação, mas os portugueses continuam ausentes destes debates.
Aparentemente a tradição da alfaiataria em Portugal estava ainda bastante consolidada nos hábitos de vestir da população. A sua expressão no país não tem paralelo em outros países europeus. Em 1964, por exemplo, existiam ainda em actividade cerca de 6.500 alfaiatarias. Destas perto de 3.000 possuiam apenas mestres-alfaiates, sem outros oficiais ajudantes. Uma grande parte da população masculina continuava ainda a recorrer aos alfaiates: 45% para fazer fatos; A percentagem dos que encomendavam abafos, sobretudos, ou gabardines, descia para 15% no Norte e 20% no Sul. Quanto aos fatos tipo “sport” a percentagem era muito elevada, oscilando entre os 20 e os 25%. Era todavia, um dado adquirido como se escrevia na revista Vestir, que a tendência era para a rápida diminuição destes valores, devido à concorrência do pronto-a-vestir. Os seus preços eram mais baratos, e sobretudo haviam melhorado bastante os modelos, os cortes e a qualidade dos tecidos.
Num esforço de actualização, surgem algumas iniciativas desgarradas, como a organização da “Grande Noite da Alfaiataria e Alta Costura, no Casino do Estoril (1962) e o “Festival Cerruti” para a moda masculina na FIL (1967).
Como o país, os alfaiates portugueses começam a abrirem-se lentamente em relação ao exterior. Apenas em 1970 participam pela primeira vez num congresso mundial de mestres alfaiates, o XIV que decorreu em Madrid, através de uma delegação presidida pelo mestre Armindo Bártolo.
A partir de 1974 todas as fragilidades desta actividade evidenciam-se. A simples instituição do salário mínimo conduz ao encerramento de muitas alfaiatarias. Mas o principal problema decorria da inexorável expansão do pronto-a-vestir. As industrias de confecção conhecem então um enorme crescimento, tornando-se num dos sectores fundamentais da nossa economia. Não é pois de estranhar que os sindicatos e os grémios dos alfaiates se tenham integrado nos grandes sindicatos e associações da industria textil e da industria de confecção.
Nos anos oitenta quando os alfaiates procuram reforçar os seus laços de solidariedade através de “festas de convívio”, acabam por redescobrir o que havia de especifico na sua arte. As comemorações do “Dia do Alfaiate” no final da década são neste capítulo, um sinal que algo parecia estar a mudar. Cálculos optimistas então realizados apontavam para a existência em todo o país de apenas 800 alfaiatarias. O seu maior problema continuava a ser o da falta de continuadores nas oficinas, o que contribuiu para o seu encerramento. As razões para este facto prendiam-se primeiro que nada, como poucos queriam reconhecer, com uma imagem pouco atractiva que alfaitaria foi adquirindo junto das camadas mais jovens. A agravar este quadro juntava-se um longo período de aprendizagem, e a ausência de um estrutura organizada de formação profissional.
Esta situação acabou por prolongar uma crise generalizada nesta actividade. Os poucos alfaiates qualificados, por serem raros, encontram sempre empregos sem dificuldade, mas os jovens afastam-se preferindo actividades ligadas ao pronto-a -vestir, onde são menos livres, possuem eventualmente menos possibilidades de expressão da sua criatividade, mas também auferem, em geral, melhores salários.
A resposta aos desafios que hoje atravessa esta profissão, se passa pela formação profissional, não pode ser desligada de uma adequada promoção que restitua antes de mais nada o seu prestígio, de forma a ser assumida como uma arte entre outras artes.


Carlos Fontes