segunda-feira, 10 de março de 2014

Os barões do corta e cose


É um ofício em vias de extinção, um luxo ao alcance de poucos e uma arte que muitos tentam dominar. Uma coisa é certa: alfaiate é quem faz um fato, mas no mundo da moda masculina por medida, a tradição é cada vez menos aquilo que era.
Quais resistentes do corte e da modelagem, contam-se pelos dedos das mãos os mestres alfaiates que ainda hoje vestem a preceito os seus clientes. Chegaram em força numa época em que o pronto-a-vestir era a excepção, para fazer do assentar impecável de um casaco nos ombros uma das regras mais sagradas entre cavalheiros. Apagados do quotidiano da maioria, e com pouco a dizer sobre moda e tendências em pleno século XXI, os alfaiates guardam uma arte em vias de extinção que está ao alcance de poucos e, regra geral, à distância de um lance de escadas e de uma campainha. Pelo menos, este é o trajecto que qualquer velho cliente da Alfaiataria Piccadilly consegue fazer de olhos fechados. Durante décadas, foi casa de primeira linha no comércio elitista do Chiado até que, a oito anos do centenário (em 2012), João Ribeiro tomou conta do negócio, abdicou da vitrine e recolheu ao atelier, onde actualmente é o mestre de serviço.
“Para se ser um alfaiate acima da média, é preciso ter bom gosto, sensibilidade e jeito. Ainda hoje faço tudo de forma artesanal, coso à mão e dou pontos como aprendi há 50 e tal anos”, conta, aos 64. Com 11 foi apresentado às tesouras, veio para Lisboa pouco tempo depois e ainda estava nos trintas quando o nome João Ribeiro já era bem conhecido pelas alfaiatarias da Baixa e pela clientela da altura. Hoje, reconhece que além de gosto, da sensibilidade e do jeito, saber lidar com os clientes faz parte do segredo para o sucesso, sucesso esse que começa em proporcionar-lhes exclusividade e discrição. “Normalmente, atendo por marcação, sobretudo pessoas mais conhecidas que não gostam de estar a escolher com outras a ver. No caso dos políticos, é habitual pedirem para vir ao sábado à tarde, às vezes ao domingo de manhã, quando têm a certeza que não vai estar mais ninguém”, conta.
De secretários de estado e outros membros do actual governo a diplomatas, que em tempos passaram pelo país, mas que continuam a voltar sempre que precisam de um fato novo, esta carteira de clientes tem tanto de abastada como de exigente. Os advogados continuam a representar a maior fatia, embora nem só de fatos se faça o trabalho deste alfaiate. Na lista de desafios de João Ribeiro estão também sobretudos (alguns também para senhoras) e gabardines, uma dor de cabeça para quem não quer falhar um ponto.
Não há dinheiro que pague a tradição


Se, para alguns, uma ida ao alfaiate é uma extravagância cometida uma vez na vida, outros parecem estar predestinados a provar fatos feitos de raiz. Que o diga Joaquim Barbosa, prestes a comemorar 50 anos à frente do seu próprio atelier. Já tirou as medidas a pais, filhos e netos mas, actualmente, o difícil é aceitar novos clientes. Cada fato chega a exigir 70 horas de trabalho, daí que as encomendas da clientela mais fiel já lhe dêem pano para mangas. “O rico é sempre rico e, além disso, há pessoas que, em vez de mandarem fazer dez fatos, agora mandam fazer só um. Mas os clientes não se queixam, nós é que já não damos vazão”, afirma o mestre de alfaiataria, já septuagenário, denunciando uma espécie de crise de sucessão com que todos os alfaiates se deparam.
Mauro Gonçalves
Público
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