terça-feira, 20 de novembro de 2012

Alfaiates sobrevivem à crise, clientes pagam até 20 mil euros por fato

                                ©José Coelho/Lusa

A crise baixou as encomendas aos alfaiates do Porto, mas os fatos costurados à mão e por medida continuam a ajustar-se aos corpos de médicos, políticos, empresários, advogados, cônsules e noivos que pagam até 20 mil euros pela indumentária.

“Os nossos fatos podem ir dos dois mil euros aos 15 ou 20 mil euros”, admitiu o alfaiate português Ayres Gonçalo, que aos 30 anos já tinha costurado fatiotas para o príncipe Carlos e Gordon Brown.
Com ateliê montado há um ano na Praça Dona Filipa de Lencastre, no centro do Porto, Ayres Gonçalo rema contra a maré da crise e da Troika e assegura que as medidas de austeridade lhe passam “ao lado”, porque 90% da sua produção voa para Luanda, (Angola), Bruxelas (Bélgica), Nova Iorque (EUA) e S. Paulo (Brasil).
Ayres é neto de um dos alfaiates mais antigos do Porto, que cortou os dianteiros, os traseiros, as mangas, e a gola para o último fato de Oliveira Salazar e que em apenas seis horas executou um fato para o empresário Belmiro de Azevedo.
O avô e o neto Ayres acreditam que a arte da alfaiataria veio para ficar e não está em vias de extinção porque há aprendizes. 

A crença é partilhada também pelo costureiro Alexandre Ferreira, que aos 78 anos ainda corta e costura para o “ministro da Guerra”, referindo ao ministro Aguiar Branco.
“Faço fatos de 900 euros até 2.500. Tenho clientes ainda que fazem fatos para 2.500 euros”, confessa, sublinhando que um fato feito por medida ao corpo do cliente “fica outra coisa”.
Recordando com saudade a Rua de Santa Catarina, a artéria mais comercial da cidade do Porto, quando “era um viveiro de alfaiates”, Alexandre Alfaiate afirma que houve uma quebra “bastante grande”.
“Nos tempos áureos chegava a fazer 300 fatos por ano”, mas hoje, Alexandre já não consegue fazer média nenhuma de quantos fatos executa. “Talvez um por semana”, lança, incrédulo nas suas próprias previsões.

E se Alexandre Alfaiate defende que aquela arte só vai resistir para uma clientela muito reduzida”, o colega de profissão Augusto Saldanha, com atelier junto à Rua das Flores, acredita que a profissão de alfaiate não está em vias de extinção.
“Eu sou dos que ainda mantenho que o alfaiate nunca há de acabar. Já há menos e cada vez vai haver menos, mas acabar, acabar …, nunca chega a acabar”, acredita Augusto Saldanha, o alfaiate do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, e do eurodeputado Paulo Rangel.
O alfaiate conta que “trabalha para quem se sabe vestir” e “para quem quer vestir” e para “quem pode vestir”, mas não gosta de falar de preços. “Nem a minha mulher, que dorme comigo na cama, sabe o preço dos meus fatos”.
A obra fica mais barata do que a aquela que anda aí na boa confecção e “não é tão cara, como muita gente julga”, garante Augusto Saldanha, sublinhando que um fato seu é para o usar no dia-a-dia, não sendo um traje domingueiro ou para festas.
”Estas pessoas fazem pouco e estimam muito a roupa. Cada peça que eu lhes faço é uma jóia que compram. Não compram por comprar, nem compram e deitam fora. Ao contrário do que muita gente julga, estas pessoas estimam a roupa, não a deitam fora e recuperam-na muitas das vezes”, explica.

Os artistas do dedal, agulha, linha e tesoura vão continuar a ajustar-se aos desejos dos cliente da alta sociedade, que ainda são o melhor cartão-de-visita para não deixar morrer a profissão.

por Cecília Malheiro, da Agência Lusa
Lusa/SOL