sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Opinião


ALFAIATES
Por José Andrade

Não vou aqui falar numa freguesia do concelho do Sabugal nem de uma graciosa ave migradora com um bico esquisito, tipo sovela de sapateiro, mas sim de uma profissão que, segundo li há pouco tempo num jornal, se extinguirá dentro de vinte anos, o que eu acho optimismo exagerado. Com efeito, a arte de alfaiate, muito popular em Condeixa há meio século, está praticamente extinta. Haveria para aí, dentro da vila, cerca de uma vintena de indivíduos exercendo essa arte, já com a categoria de mestre. Aprendizes, semioficiais e oficiais - era esta a hierarquia dentro da profissão – talvez houvesse para aí o dobro dos que já se tinham alcandorado ao topo da arte. Era mestre quem sabia tomar medidas e talhar.
Hoje, o único sobrevivente de uma arte que aqui foi muito florescente, está com oitenta anos mas ainda mantém intacta a sua oficina . Embora já não se aventurando a manufacturar obra de responsabilidade ainda constitui um “pronto-socorro” para quem precise de apertar ou alargar um casaco ou umas calças, subir ou descer bainhas ou mangas e se for “bem conversado” ainda confecciona um bom par de calças para ambos os sexos. É o Joaquim Barrico, toda a vida mais conhecido pelo Quim Manoco que desde muito novo foi um alfaiate de sucesso. Desejo a este Amigo mais uns anitos com boa qualidade de vida.
Até aos anos cinquenta, era rara a peça de vestuário que não fosse feita por medida. Quando um fato era adquirido nalguma loja de pronto a vestir, o que acontecia quase somente nas cidades, qualquer alfaiate comentava desdenhosamente que se tratava de “obra de fancaria” isto é vendida por fanqueiros (estou a lembrar-me de uma rua da nossa capital, com este nome).
O freguês entregava o tecido na alfaiataria, submetendo-se desde logo a tomada de medidas pelo mestre alfaiate cuja fita métrica estava ordinariamente suspensa sobre o seu pescoço A fazenda era molhada para posteriormente não encolher. A obra iniciava-se com o esboço do fato feito com giz próprio, seguindo-se o corte e depois todas as operações de confecção que incluía uma ou duas provas. Um terno (casaco, colete e calças) exigia trabalho mais aprimorado e era feito geralmente de tecido de qualidade que só os mais abastados tinham possibilidades de adquirir. Para os de menos posses havia o cotim, a ganga e a saragoça que não exigiam confecção muito apurada, dispensava forros e por isso era menos onerosa.
Recordo-me da intensa azáfama que reinava nas alfaiatarias de Condeixa nas semanas que precediam as épocas festivas, designadamente a Páscoa o Natal e também o dia da procissão do Senhor dos Passos.
O Domingo de Páscoa e o 25 de Dezembro eram, principalmente, os dias em que muitos desejavam estrear fatiota nova e então, o trabalho nas oficinas de alfaiate desenrolava-se com frenesim fora do comum nas vésperas de tão importantes celebrações. Não havia horários e os serões prolongavam-se até às tantas. Também não havia folgas e era apertado o tempo dispensado às refeições e ao descanso. Cortar, (talhar) alinhavar, coser à máquina e à mão, provar, casear, pregar botões e passar a ferro eram operações que se sucediam com celeridade mas quase sempre sem prejuízo do apuramento da obra pois também estava em jogo o prestígio dos artífices, não estando também excluída uma natural rivalidade entre essa classe de artesãos . Os janotas queriam exibir-se, e os alfaiates, na mira de proventos que os compensassem de épocas mais brandas, davam o máximo.
Alguns alfaiates da minha terra tinham a sua freguesia disseminada nos meios ferroviários mais próximos – Granja do Ulmeiro, Santo Varão, Formoselha e Pereira do Campo. Nas suas oficinas predominava o tecido de cor castanha , tonalidade usada para os fardamentos dos funcionários da CP, designadamente factores e revisores. Ao Domingo, lá iam eles montados nas suas bicicletas com a trouxa dos fatos muito bem acondicionada na “bagageira” do velocípede, afrontando por vezes resignada e estoicamente a chuva impertinente ou a impiedosa canícula. Antes de terem bicicleta, alguns aproveitavam a boleia de moleiros que faziam o seu carreto para aquelas bandas. Regressavam já de noite, depois de terem percorrido mais de três dezenas de quilómetros muitas vezes com os bolsos sem a quentura do dinheirinho por que tanto almejavam e que só era mais certo nos dias de pagamento dos servidores daquela empresa ferroviária. Partilhei intensamente, até à altura de ir para Coimbra tirar o meu modesto curso comercial, esta atribulada vida de alfaiate. Meu Pai era um deles e levou sempre, como tantos outros, uma vida de sacrifício pois nesta terra, tirando um ou dois alfaiates bem afreguesados, todos os demais estavam longe de viver desafogadamente.
Os alfaiates estão pois, em vias de extinção irreversível. As lojas de “pronto a vestir”, ultimamente com forte concorrência dos ciganos nas feiras, foi gradualmente acabando com eles. Nas grandes cidades ainda vão subsistindo os melhores, que são procurados por executivos ou gente da alta que embora pagando caro, ainda preferem um fato que se molde bem ao seu corpo ou então que, pela sua corpulência ou defeito físico, não encontrem naqueles estabelecimentos coisa que lhes assente bem. Mas a verdade é que a confecção de obra personalizada está a passar à história.

26.06.08

CW: Zilda Monteiro

In "O Despertar"

8 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia,

Sou jornalista e estou a realizar um trabalho sobre profissões em vias de extinção em Portugal. Gostaria de saber se alguém do blog estava disposto a falar comigo sobre a profissão de alfaiate.
Obrigada
Sofia Rodrigues

Alfaias disse...

Mna Sofia Rodrigues

Agradecemos o seu contacto.

Considere-nos ao dispor para o que precisar.
Defina, por favor, de que forma podemos ajudar.

Até breve.
Cumprimentos
Alfaias

Anónimo disse...

Bom dia,

Estou a fazer o artigo com a Sofia Rodrigues e agradeciamos muito que nos respondessem às seguintes questões:

- como funciona a associação?
- quantos associados?
- Ainda existem jovens a querer aprender a profissão? Onde se aprende?
- Sabe quantos alfaiates existem no país; qual a sua média de idades (isto é existem jovens?) e qual a distribuição geografica
- segundo nos disseram, todos os anos se reúnem - pelo menos uma vez, creio. Em que data é esse convívio? Quais os seus objectivos?

Por ora, são estas as questões. Muito obrigada pela colaboração,

Sara Capelo

Alfaias disse...

Olá Sara Capelo

Vamos ver se conseguimos ajudar.

Tenho recebido mensagens de pessoas interessadas em aprender, pedindo-me indicações e sugestões.
Penso serem gente jovem. O grande problema é que não existem cursos profissionais.
Há, em Lisboa, a Academia de Corte Maguidal, e pelo país vários cursos de estilistas.Para aprender a profissão, com tudo o que isso implica, não há ensino. A única forma é arranjar uma alfaiataria onde começar a aprender desde a base, isto é, a pegar numa agulha, conjugá-la com um dedal e começar a fazer pontos em tecidos.

Os alfaiates são uma classe muito envelhecida que, normalmente apenas têm uma ou duas pessoas a trabalhar; ensinar alguém que está a aprender significa que um(a) profissional não vai produzir,enquanto se dedica a um aprendiz.
Outro problema é a remuneração: que salário, minimamente digno, para quem está a aprender, sabendo que não tem produção e que parte do que faz terá que ser refeito, porque não está bem? Afinal ninguém nasce ensinado.
Apesar disso, penso que, qualquer alfaiate teria imenso gosto em ensinar quem estivesse interessado em começar.

Em termos geográficos, os alfaiates distribuem-se por todo o país, também no interior, e com predominância no Porto e Lisboa.

O Dia Nacional do Alfaiate realiza-se no último domingo de Maio. Este ano foi em Belmonte, e estiveram presentes à volta de 60 profissionais de um universo, que penso ser constituído por, não mais de 300/400, a maior parte numa faixa etária muito elevada, entre os 60/80 anos.Os mais jovens têm 45/50 anos. Não tenho conhecimento de profissionais com idades inferiores.
A ideia é realizar um convívio,que inclui sempre uma vertente cultural, trocar ideias e pontos de vista, discutir teorias e práticas profissionais, e actualizar a salutar má-língua. O próximo, dia 31 de Maio de 2009, será em Ceide, Famalicão. Entretanto começa a ganhar força a ideia de organizar um congresso para tentar alterar o estado moribundo da arte.

Não percebi a que associação se refere. Por favor, explicite num próximo contacto.

Espero ter correspondido à sua pretensão, e considere-me à disposição, para qualquer desenvolvimento ou questão que queira colocar.

Cumprimentos
Alfaias

Anónimo disse...

Bom dia,

Obrigada pelo mail. Entretanto, surgiram-nos mais algumas rápidas questões:

- seria possível dizer-nos quanto custa produzir e quanto custa comprar, imagine um fato completo feminino, e masculino, por exemplo.
- depois, por uma questão de contextualização, gostariamos de saber um pouco mais sobre si: há quanto tempo se dedica à arte, onde, que idade tem. E claro, o que lhe dá mais gozo na actividade de alfaiate e quais as principais dificuldades.
O congresso é uma ideia muito interessante. Já existem ideias para "tentar alterar o estado moribundo da arte", como diz?

Cumprimentos,

Sara

Alfaias disse...

Olá Sara, viva

Vamos lá falar de preços.
Uma das grandes dificuldades dos alfaiates sempre foi o de valorizar o trabalho; normalmente a baixa escolaridade, origina que custos de produção sejam estabelecidos em função do vizinho: trabalho tão bem como ele e ele cobra x, portanto eu vou cobrar x + y, porque tenho melhores instalações, sou mais bonito, etc ...Mas não sabe fazer preços com base contabilística.
O valor de um fato varia em função do tecido. O custo de produção é igual para a fazenda mais barata ou para a mais cara.
O preço mais baixo situa-se nos 750 €, sendo um fato que é de qualidade elevada em qualquer pronto a vestir de nível médio-alto.Mas pode atingir 20 / 25.000€. Topos de gama.
Em média um fato demora 65 horas a fazer. Gasta em termos normais 2.80m. Para senhora o preço baixa, porque embora gaste o mesmo tecido, tem menos trabalho que o masculino.
Quanto a mim: tenho 50 anos de idade,comecei a aprender aos 10 anos e sempre trabalhei no Porto. Aprendi com vários alfaiates, o meu pai incluído( sou a 3ª geração na arte).Isto de ter vários mentores é importante, porque permite aprender várias formas de estilo e de métodos de trabalho.
O que me dá mais gozo é captar e executar a ideia que cada um tem acerca da sua roupa.Fazer assim hoje e assado amanhã.
A 2º vez que trabalho para alguém é mais um passo para a glória.Tive êxito na primeira e posso pedir-lhe para assinar o meu livro de honra.
As minhas (nossas, de todos os alfaiates) dificuldades baseiam-se num ponto: a grande falta de cultura em relação ao vestir. A função cultural do vestuário perdeu-se, e ir trabalhar, ir à praia, jantar com o patrão ou conhecer os pais da namorada não merecem mais do que uma t'shirt, desde que exiba uma marca.
Ideias para modificar a situação existem. Por exemplo, a classificação dos alfaiates como artesãos.Proporcionaria apoios que permitissem o acesso de jovens; A criação de cursos profissionais oficiais: quem quisesse aprender, começaria a trabalhar, já habilitado, usufruindo de um salário atraente.

Espero não ter abusado da sua paciência.
Estarei por aqui . Disponha.

Cumprimentos.
Alfaias

Anónimo disse...

Boa noite, estava a publicar este "comentario" para perguntar se posso enviar para o seu e-mail uma questao profissinal?

Cumprimentos,
Carlos Balula.

Alfaias disse...

Viva Carlos

Claro que pode.
Disponha

Cumprimentos
Alfaias