domingo, 24 de fevereiro de 2008

A arte de bem vestir

Fernando Gonçalves Alfaiate, a experiência na hora do corte


Senhores do corte e da cos­tura foram durante muitos anos o auxílio indispensável na arte de bem vestir as pessoas, que sem eles não podiam passar.
No entanto, com o desen­volvimento desenfreado do pronto-a-vestir, em todo o mundo, nos últimos anos o papel do alfaiate foi perdendo força progressivamente e o número de enco­mendas foi diminuindo. Hoje há, no entanto, quem lamente o de­saparecimento progressivo desta tão bela arte. Os «artistas anti­gos» vão trabalhando a conta gotas, com a certeza de que já não encontram aprendizes a quem ensinar o ofício. Enquanto exis­tirem, no entanto, os alfaiates vão tentando manter viva esta arte antiga e procurando estar no mercado através da diferença e da qualidade.
Com dez anos apenas, Fernando Gonçalves começava a to­mar gosto pela arte do corte e da costura, acompanhava a mãe, costureira, "de mão cheia", diz, quando ia para o trabalho e não mais deixou de querer aprender a arte. Trabalhou em outras acti­vidades, mas cedo percebeu que o seu futuro passava pela alfaiataria.
Em 1971 tirou o Diploma de Contra Mestre, na Academia de Corte para Alfaiate, "por cor­respondência", lembra com sau­dade. Estabeleceu-se, bem no centro da cidade do Porto, onde permanece até hoje.
Com muitos anos de expe­riência no sector vai mantendo a sua actividade viva, resistindo ao sabor dos tempos e ao desapare­cimento dos colegas de profissão e de clientes antigos e fies. Co­nhece como ninguém a arte do corte por medida. Vestiu ao longo da vida, "muitos senhores. Alguns de extrema elegância, que procuravam sempre bons fatos, alguns para cerimónias es­peciais", lembra. "Há 30 anos quem queria um fato tinha mes­mo que recorrer ao alfaiate e o conceito de bem vestir era ou­tro". Hoje a realidade é diferente. Os mercados abriram-se e fo­ram «invadidos» pela prolifera­ção das confecções, que contribuíram de forma significativa para retirar mercado aos artistas do corte. As encomendas foram diminuindo e o hábito de recor­rer ao alfaiate foi desaparecendo com o surgimento de novos há­bitos de vestuário e de novas ge­rações. Fernando Gonçalves diz que para isso também contribuiu "o desaparecimento do fato dos guarda-roupas dos portugueses. A juventude já não dá valor ao fato bem confeccionado", la­menta, "o dinheiro nos bolsos também vai escasseando e o fato pronto acaba por se revelar a so­lução mais acessível".
De uma marca boa ou má, Fernando Gonçalves consegue, no entanto, distinguir na perfei­ção e só de olhar, o fato que sai do pronto-a-vestir, e o que é con­feccionado pelas mãos de um ar­tista. "Os acabamentos e os cor­tes são completamente diferen­tes", diz. Uma manga mais comprida, um repuxe nas ombreiras, uma costura mal feita são porme­nores que não escapam aos olhos deste especialista e "que fazem a diferença na arte de bem vestir um fato", realça. "Um fato à medida é sempre um fato à me­dida. Feito para o nosso corpo e adaptado às nossas característi­cas físicas". Apesar das dificuldades do negócio e da diminuição das en­comendas, Fernando Gonçalves vai trabalhando, .todos os dias, com a mesma força e a mesma destreza de outros tempos. Im­prime o mesmo rigor e a mesma qualidade no momento do corte e da costura. Acompanha de per­to as tendências da moda inter­nacional e tem para oferecer aos seus clientes os melhores tecidos, das melhores marcas. Inglesas, italianas e algumas portuguesas, com uma variedade de oferta alargada, na procura de satisfa­zer sempre todo o tipo de clien­te. Do mais modesto ao mais exi­gente.

In Primeiro de Janeiro

2 comentários:

Carlos Rodrigues disse...

Não posso deixar de exprimir o meu descontentamento por não ter conhecido este mestre de "mão".
Sei no entanto que deixou discípulos...E portanto partilhou o seu conhecimento.
Nos dias que correm de facto, os investimentos têm que ser cada vez mais ponderados, devido à perda do poder de compra das pessoas.
No entanto não posso deixar de partilhar, que a decisão de compra está na emoção que desperta em nós o bem adquirido.
Faço parte do grosso da população que perdeu esse poder de comprar, mas ainda assim, gosto de fazer os meus poucos investimentos de forma certeira e acima de tudo que me provoquem emoções fortes cada vez que deles usufruo.
Num futuro próximo, espero poder atestar as emoções fortes geradas pela criatividade da nova geração de alfaiataria, que alia as novas tendências e não descura o rigor e a qualidade transmitida pelos grandes mestres de outrora.

Carlos Rodrigues
Eng. Mecânico

Alfaias disse...

Lamentavelmente não posso colocar este comentário na primeira página. Tenho que o colocar no artigo que lhe deu origem. Mas gostaria de deixar um agradecimento especial ao autor destas palavras, em nome de todos os alfaiates, pela homenagem ao grande mestre alfaiate, Senhor Fernando Gonçalves.

Alfaias