domingo, 25 de novembro de 2007

O gabinete de prova é um lugar de intimidade


O gabinete de prova da Rosa e Teixeira é um mundo à parte. O cliente entra pela loja, o alfaiate vem das oficinas. Encontram-se no pequeno quarto redondo, forrado a madeira e espelhos, com sofás de veludo e maçanetas doiradas. O ar condicionado mantém a temperatura agradável. Não há mais ninguém ali. "Há uma intimidade muito grande", admite Eugénio Gomes, o mestre alfaiate daquela que é uma das casas mais conceituadas de Lisboa, fundada em 1944. "Tenho clientes há 40 anos."

O alfaiate conhece cada pormenor do corpo do seu cliente. O ombro descaído, a corcunda, a barriga já saliente, a perna ligeiramente mais comprida. E, com o passar dos anos e das provas, começa também a conhecer-lhe outras facetas. O que diz um homem quando está meio despido? "As pessoas confiam em nós", explica João Ribeiro. "É por isso que os clientes acompanham os seus alfaiates quando eles mudam de atelier. Estabelece-se uma relação."

Quem entra na Rosa e Teixeira, na Avenida da Liberdade, não imagina que para lá da loja se estende um mundo de corte e costura. Além do mestre Gomes, há dois alfaiates oficiais e uma dúzia de costureiras sentadas em cadeiras baixinhas, as costas curvadas sobre as calças, casacos e coletes. E, mesmo assim, não têm mãos medir. A profissão pode até estar a extinguir-se, mas não será por falta de clientes. "Muitos", repetem os alfaiates, sem avançar números concretos. João Ribeiro tem um ficheiro onde anota as medidas dos seus clientes. Eugénio Gomes guarda os moldes de cada senhor em rolinhos que acumula nas prateleiras da oficina. "Muitos."

São geralmente de classes altas, homens de negócios e da diplomacia, empresários, políticos. "Jovens que nas primeiras vezes vêm com os pais e depois ficam clientes." Cada vez mais jovens, asseguram. "O meu maior prazer é ver um cliente voltar. Receber uma pessoa pela primeira vez é fácil, o mais difícil é conquistar um cliente", explica Domingo Rocha.

Alguns podem já trazer uma ideia daquilo que querem mas, na maior parte das vezes, procuram o conselho do alfaiate. Sobre o tecido, o feitio das calças, o tamanho dos botões, o padrão do forro. Com mais ou menos pregas, largo ou apertado, o modelo clássico é o mais pretendido. Depois da primeira visita, em que tudo fica decidido e se tiram as medidas, seguem-se duas ou três provas. "Este é um trabalho que exige muita paciência", afirma Domingo Rocha. Um fato completo pode demorar duas semanas a um mês a ficar pronto. Mas os alfaiates também fazem sobretudos, casacas, capotes, togas, "tudo o que faz parte da indumentária masculina", e alguns até fatos para senhoras.

Para chegar ao atelier de João Ribeiro é preciso atravessar uma loja de bijuterias da Rua de Santa Justa. Subindo aquelas escadas carcomidas pelo bicho da madeira, encontra-se um homem que adora desafios. João Ribeiro gosta que lhe entrem por ali adentro a pedir modelos originais, com recortes de revistas estrangeiras e muitos problemas por resolver. "Às vezes acontece. Sobretudo a malta mais nova. Há quem pense que o trabalho do alfaiate é meramente mecânico, mas não é", avisa. "Hoje em dia, por causa dos preços, só vem ao alfaiate quem tem muito dinheiro, e por isso também é muito exigente. Ou então quem tem muita dificuldade em encontrar roupa de tamanho adequado ao seu. Pessoas gordas, baixas ou com barriga. E nós temos de encontrar as soluções. É o nosso trabalho."

In Diário de Notícias


Sem comentários: