Um dos últimos alfaiates lisboetas de grandes tradições. É aqui que o noivo procura o fato para usar naquele dia e os clientes fiéis encontram a mesma elegância de sempre, feita à medida de cada um. Uma reserva de bom-gosto, na Nunes Corrêa.
1. Os reis e o artesanato
Esta casa no início até fazia as fardas para os reis irem casar. Mas, hoje em dia, estas casas tão específicas de alfaiataria estão em via de extinção, está tudo virado para o pronto-a--vestir e nós fazemos quase «artesanato».
2. Ir à Baixa fazer o fato
Abriu ao fundo da Rua Augusta em 1856 com Jacinto Nunes Corrêa, depois passou para este número 250 e, em 1958, o meu patrão ficou com a casa: era o Sr. Leão, o meu patrão desde 1959, uma pessoa fora de série. Ele criou aqui uma família entre nós, conhecia muito bem as pessoas e as situações. Dizia-nos: «Nós temos sempre de dar razão ao cliente mas o cliente pode não ter sempre razão, é uma pessoa como nós, é nossa obrigação compreendê-lo e saber dar-lhe a volta!". Depois trabalhei com o filho e agora com o neto! E a família tem sido muito unida no sentido de conservar esta casa, apesar de as coisas estarem difíceis para este negócio de tradição.
3.Provadores e elevadores
A elegância comprova-se nos provadores do primeiro andar, simplicidade na decoração. E ainda assim a D. Isaura suspira pelos tectos "lindíssimos, com pinturas feitas à mão», agora tapados pela sóbria madeira. Mas para visitar o atelier onde o alfaiate guarda a sua arte, o melhor é usar o elevador ao lado dos provadores para subir três andares. É um antigo elevador também bonito e em madeira, onde, certamente há muitas décadas, os clientes que sobem para as medidas e ava-
liação do alfaiate ficam ainda mais seguros da qualidade da casa com o diploma exposto:
«Estados Unidos do Brasil - Exposição Nacional de 1908 - Rio de Janeiro - O júri superior conferiu o Grande Prémio a Nunes Corrêa & Cia, Lisboa»...
4/5. o fato de casamento
É isso que o jovem procura aqui, uma coisa especial para esse dia. Hoje há uma oferta muito grande, com os centros comerciais e tudo, quem vem para a Baixa às compras são aquelas pessoas que gostam mesmo de cá vir. É unia clientela tradicional, vinha o avô, veio o filho e agora vem o neto, mas o neto às vezes acha tudo muito clássico e prefere o pronto-a-vestir. Também temos, claro. E temos também aqui os sapatos da Leão & Leão, sapatos clássicos e de qualidade, o mais vendido aqui na casa.
6. Vestir o noivo
Podemos vestir o noivo de cima a baixo: da camisa à casaca, da gravata (ou plastron, largo e preso com alfinete) ao cinto, do colete aos sapatos - o sapato tem de ser preto, sempre, pois o fato só pode ser cinza, antracite ou azul-escuro, e, claro, a meia também tem de ser preta. Aqui só ainda não temos a roupa interior, mas também vai chegar em breve, garante D. Isaura. O Bernardo, que já cá está há vinte anos, é que sabe melhor, ele é que veste os noivos.«Ah, mas o noivo veste-se como quer! O que nós aqui vestimos ao noivo é o fraque ou o fato tradicional, que a maioria prefere, sempre preferiu. E também temos o pronto-a-vestir, claro, tivemos de nos adaptar ao mercado, mas não tem nada a ver com o fato feito à medida. E todas as adaptações, os ajustes, são sempre feitos pelo alfaiate!»
7. Provar e vestir
«O cliente só tem de dizer como quer, depois faz as provas e só vê o fato quando lho entregamos já pronto». O artista, o contramestre, é o Sr. Gomes, que sabe o que fica bem a cada corpo e percebe de cortes e medidas - e há meia dúzia de anos actualizou novos moldes pela melhor alfaiataria italiana. Mas os pormenores - como assentar um fato na perfeição mesmo se o cliente tem o ombro descaído - não se aprendem nos moldes: só a experiência faz um cliente elegante. E o Sr. Gomes tem a discrição necessária para dizer e fazer o que convém a cada um.
8.Quem vai à Baixa?
Quem nos manda fazer os fatos são clientes quase todos já de meia idade. Mas por esta casa passaram todos os homens de negócios, todos os políticos, desde o Mário Soares ao Sá Carneiro, conheci essa gente toda. E tínhamos aqui um ambiente como uma família, todos os empregados e os patrões. E eu era a mais novinha deles todos quando entrei, faça as contas, já tenho 63 anos... estou aqui há 45! Se Deus quiser para o ano reformo-me. E aqui até conheci o meu marido, aqui tive o meu filho, já nasceu o meu neto... Mesmo sem querer, isto faz parte de mim. Hoje é diferente, já não se trabalha assim, mudam os tempos, os clientes...
9. Alfaiate,espécie em extinção
O Sr. Gomes trabalha há 48 anos neste ofício, começou a aprender ainda na província aos 15 anos, «tive de pagar para aprender e só depois comecei a ganhar dez tostões por dia». Veio para Lisboa, em 1959, trabalhar para uma das muitas alfaiatarias que existiam na época, quando cada qual gostava do fato feito à sua forma e medida (curiosamente esse é também o ano em que a D. Isaura começou a trabalhar nesta casa). Esteve em vários sítios e aprendeu com vários contramestres, grandes mestres da arte da alfaiataria. Há três anos, este «maravilhoso alfaiate, um dos últimos desta arte em extinção», como é descrito nas palavras de D. Isaura, veio para a Nunes Corrêa. Porte distinto e reservado, o mestre apenas se queixa de não haver ninguém interessado em aprender a arte. «é moroso, leva muito tempo a aprender, nesta profissão não se ganha dinheiro fácil», mas não se importa de nos ajudar a preparar fatos e manequins para a fotografia.
10.Mãos de fada
A palavra costureira, costureirinha, faz lembrar velhas comédias a preto e branco com Beatriz Costa. Mas não são tão antigas as costureiras da Nunes Corrêa: faz este mês 17 anos que a D. Lurdes trabalha neste quarto andar da Baixa pombalina. Alinhava, costura e dá assistência ao trabalho do alfaiate juntamente com as colegas, a D. Luísa - que apesar de trabalhar em costura há quarenta anos só no ano passado veio para aqui - e a segunda pessoa mais antiga na casa, a D. Céu -«sou a mãe delas todas, trabalho aqui há 37 anos».
11. As máquinas e as pessoas
Mas são quase desse tempo a preto e branco as máquinas e os ferros com que nesta casa se mantém a tradição. Mas o difícil seria substituir estas máquinas por novas que trabalhassem tão bem... E o que dizer das pessoas!"
In "Notícias Magazine"
Texto: Sandra Oliveira
Fotos: Neni Glock
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